sexta-feira, 6 de março de 2020

O desconhecido e ainda de pé edifício da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros do Barão de Mauá de João Monlevade






Os livros oficiais de história concedem a Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, o título de patrono da indústria brasileira, sem jamais ao menos mencionarem o nome do minerálogo e metalúrgico francês, João Antônio de Monlevade, que aqui fundou a partir do ano de 1828, quando Mauá era apenas um adolescente de 15 anos, a primeira Fábrica de Ferro a funcionar, regularmente, sob método industrial no Brasil, já que contava não apenas com o processo de divisão de trabalho altamente qualificado, como também produziu, por mais de 50 anos, carvão, ferro e artefatos de ferro em escala industrial para atender a demanda, sobretudo, das Companhias Mineradoras de Ouro Inglesas que se fundaram às dezenas por Minas Gerais, a partir de 1826, as mais famosa delas, a do Gongo Socco e a do Morro Velho.      
Talvez, pela imensa gama de projetos, com os quais se envolveu, a balança da História se incline a favor de Mauá para colocá-lo na posição de patrono da indústria brasileira. Contudo, muito embora falecido no ano de 1889, a história do Barão de Mauá não deixaria de se relacionar com o pioneiro estabelecimento de João Monlevade, confirmando mais uma vez a grande e incontestável vocação industrial local descoberta e desenvolvida aqui por aquele intrépido metalurgista francês e que ainda perdura aos dias atuais.  É que em 1891, 19 anos depois da morte de Monlevade, sua Fábrica de Ferro sofria muito os efeitos da concorrência estrangeira, beneficiada pela chegada da ferrovia à Ouro Preto, etc. Fez-se necessário, então, reajustar a Fábrica de Ferro Monlevade à nova ordem mundial e aos ventos da Revolução Industrial. A tarefa ficou a cargo de Francisco Monlevade (foto), neto do patrono local e também engenheiro. Sem contar com o capital necessário para modernizar a indústria do avô segundo as exigências da época, Francisco a vende à Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros do Barão de Mauá, por 1 mil contos de réis, mediante a condição de permanecer à frente da administração do estabelecimento. Nesta terceira fase do empreendimento, é completamente abandonado o antigo local onde funcionaram as duas primeiras fábricas, que atualmente corresponde à Rua dos Contratados, logo abaixo do Solar Monlevade, estabelecendo-se a casa da nova oficina na margem esquerda do Rio Piracicaba, abaixo do que é hoje a Represa do Jacuí. Neste período, a Fábrica de Ferro Monlevade foi, integralmente, re-adequada aos parâmetros da Revolução Industrial, sendo equipada com uma série de maquinismos impressionantes, desenhados em Art Déco, entres os quais se destacam o Martelo-Vapor estadunidense e a Turbina Hidráulica francesa que utilizava boa quantidade de água do Rio Piracicaba para gerar 600 cavalos de força motriz, empregada para movimentar uma série de maquinismos. Quase todo o acervo atual do Museu Monlevade é composto pelas máquinas da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade, que produzia 4 vezes mais ferro do que as duas primeiras do avô. E o mais interessante é que o prédio que abrigou a Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade ainda existe e, atualmente, alberga a casa de máquinas da Represa do Jacuí, no bairro de mesmo nome. 
Trata-se do edifício da foto, igualmente em Art Déco, que, a partir de 1935, foi aproveitado pela Belgo Mineira para instalar as turbinas e geradores da Hidrelétrica do Jacuí. Na foto anexa, gentilmente cedida por minha amiga Corina Grosch, neta do engenheiro luxemburguês, Charles Diederich, encarregado por Louis Ensch de instalar a Hidrelétrica do Jacuí, pode-se ver a turbina francesa de 600 cavalos-vapor ainda instalada no pátio, ao lado da casa da oficina da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade. Ou seja, o Município de João Monlevade também tem um edifício da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros e ninguém sabe desta preciosidade histórica.
Na edição nº 7, de 15 de abril de 1894, da Revista Industrial de Minas Gerais, disponível para consulta no Arquivo Público Mineiro, existe uma completa descrição da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade, feita pelo também engenheiro francês e professor da Escola de Minas de Ouro Preto, Paul Ferrand, que transcrevo a seguir:

"USINA MONLEVADE”

Esta usina está colocada à margem esquerda do Rio Piracicaba a 14 km ao N. do Arraial de São Miguel de Piracicaba. Ela pertence à Companhia Nacional de Forja e Estaleiros desde 1891; sendo anteriormente de propriedade do Sr. João Monlevade. Neste tempo se fabricava o ferro pelo processo direto italiano com dois fornos baixos produzindo diariamente 500 quilogramas de ferro em barras. Hoje ela acaba de passar por uma transformação completa sob direção do Sr. Francisco Monlevade, neto do presidente e engenheiro da Companhia. Foi completamente abandonado o local da antiga forja, estabelecendo-se a nova oficina num lugar mais apropriado aos maquinismos modernos.
A nova fábrica compreende 5 fornos catalães americanos “Bloomary Process”, dispostos em duas fiadas, um martelo a vapor com uma caldeira de vapor horizontal, um laminador para ferros de pequenos perfis, um forno de reverbero a gás para caldeamento das lupas e 4 tendas.
Atualmente trabalham só dois fornos; dois outros estão já montados , e o último se acha em construção. Cada forno faz uma operação em 3 horas ou 8 operações em 24 horas, dando 1 tonelada de ferro em barras; isto é, 125 quilogramas por operação, repartidos em 5 barras quadradas de 6 centímetros de lado, pesando em média 25 quilogramas cada uma. A produção diária total é por conseguinte de 2 toneladas.
Os fornos são munidos de aparelhos de aquecimento do sistema Calder e os gases ainda quentes passam a redor da caldeira que fornece o vapor necessário ao martelo-vapor para se escaparem depois pela chaminé . O aparelho de um dos fornos que não trabalha serve por enquanto para aquecer o vento soprado no gasógeno do forno de caldeamento. Este gasógeno de cuba, utiliza como combustível o resíduos em pó e miúdos de carvão de madeira impróprios para o forno. O martelo-vapor é de duplo efeito; seu peso é de 1,5 tonelada e seu levantamento é de um metro; serve para esbravejar (forjar) as bolas e lupas. O laminador serve para espichar as barras quadradas depois de caldeadas no forno de reverbero para obter o ferro em barras de diversos perfis.
As águas passam com uma altura de queda de 16 metros numa turbina horizontal de força de 600 cavalos-vapor. Esta turbina serve por enquanto para mover o laminador e o ventilador Roth que sopra o vento nos diversos fornos, além disso ela servirá para mover diversos outros maquinismos ainda não montados , como um laminador para fabricação de enxadas , máquinas de fazer machados, ferraduras, pregos etc. A oficina, que ocupa uma superfície de 75 metros de comprimento sobre 31 metros de largura, estará completamente acabada no fim de maio próximo , segundo espera o Dr. Francisco Monlevade, encarregado da construção e da direção deste novo e interessante estabelecimento".
A Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade funcionou até 1897, quando a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros faliu, forçando seu fechamento. Como dito, o edifício que abrigou sua oficina (foto) ainda encontra-se de pé no Bairro Jacuí, albergando a casa de máquinas da hidrelétrica homônima e, apesar de desconhecido do público monlevadense, deve ser um dos prédios industriais mais antigos em funcionamento no Brasil.
Assim, aquilo que se conta sobre quando os luxemburgueses aqui chegaram para fundar a moderna siderúrgica a partir de 1935, se encontrava de pé apenas o Solar Monlevade não é verdade. Naquela ocasião, como hoje, se encontravam de pé o Solar Monlevade e a casa da oficina da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade, construída e equipada pela Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros do Barão de Mauá, dois dos mais importantes bens histórico-culturais do Município, apesar do completo desconhecimento por parte do munícipe em relação à história do segundo.       


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