quarta-feira, 22 de abril de 2020

Pré-candidato Lucien Marques atropela novo provedor para fazer mais politicagem com o Hospital Margarida


É muito estranho! Até recentemente, enquanto o ex-provedor José Roberto Fernandes estava, literalmente, arrebentando com o Hospital Margarida, destruindo o Bingo, perseguindo a AAHM, médicos, inchando a máquina com cabos eleitorais, retendo honorários médicos, etc, circulou matéria na imprensa local, dando conta de que o sempre pré-candidato e também ex-provedor, Lucien Marques, preferia, naquela situação, se manter afastado do Hospital Margarida.
Agora, em meio à pandemia, em pleno ano eleitoral e tomada posse a nova diretoria do HM, o pré-candidato Lucien Marques reapareceu com gás total e anda fazendo sucessivas declarações em nome do Hospital Margarida, como se provedor fosse, atropelando a autoridade do provedor empossado, José Alberto Grijó, que é quem, estatutariamente, deveria responder e falar pela casa de saúde.
Pelo que se vê, mudou a provedoria, mas o Hospital segue submetido a mais do mesmo, ou seja, àquela politicagem de sempre que tem conduzido o Margarida à beira do precipício. A postura oportunista do pré-candidato Lucien Marques é mais uma demonstração de o Hospital Margarida deve deixar de ser administrado por uma entidade política, como é a Associação São Vicente de Paulo de Carlos Moreira, para voltar a ser gerido por uma entidade técnica, especialista em gestão hospitalar. Lucien aposta numa receita que, definitivamente, não tem dado certo, já tendo produzido crises sucessivas e sistemáticas no HM, além de uma dívida estimada em mais 30 milhões de reais, e pior, o faz num momento delicado de pandemia em função da Covide-19.
Não há como obter resultados diferentes, agindo sempre do mesmo modo. Se o atual provedor,  José Roberto Grijó, cujo nome até então representou um fio de esperança para a retomada da normalidade naquela casa de saúde,  não retomar as rédeas do Hospital, impedindo o oportunismo eleitoreiro no Margarida, a situação que já é péssima, pode piorar ainda mais.           

terça-feira, 21 de abril de 2020

E se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam suas impressões sobre Minas Gerais?



21 de abril de 1792, dia em que foi executada da pena de morte por enforcamento imposta a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da Conjuração Mineira. Tiradentes foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça salgada para ser exibida ao público de Vila Rica. Seu corpo foi desmembrado em quatro partes e exposto pelos caminhos de Minas para o mesmo fim. A casa em que vivia foi arrasada, o terreno, salgado para que nada mais ali nascesse e seus filhos e netos foram declarados infames, por conspirar contra a Coroa Portuguesa, sonhando com uma Minas Gerais livre das amarras da metrópole e, principalmente, livre da pesada carga tributária incidente sobre a mineração do ouro, em função da qual, além do pagamento dos chamados quintos dos infernos, ou seja, 20% sobre a produção bruta de ouro, também era cobrada a Derrama, isto é, 100 arrobas de ouro puro que, anualmente, toda a Minas Gerais deveria pagar à rainha, independentemente, do volume de produção ou de qualquer outro fator, num processo de execução fiscal violento, repleto de arrestos, sequestros de bens, expropriações e muitos abusos contra os mineiros. 
Pois bem, passados 228 anos de seu enforcamento, pergunto, neste 21 de abril: e se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam as impressões que o Mártir da Inconfidência Mineira e Patrono Cívico do Brasil teria sobre a mineração em sua terra, Minas Gerais?
Ao desembarcar na Minas Gerais contemporânea, Tiradentes, certamente, tomaria seu primeiro susto ao se deparar com o fato de que o mineiro não poder mais minerar. O Inconfidente olharia para todas aquelas tão famosas Minas de Ouro, pelas quais deu a vida, e veria a grande maioria delas inativas e inexploradas sob a falsa alegação de esgotamento das mesmas. O “engraçado” é que o ouro acabou apenas para o mineiro. Para as grandes mineradoras, muitas delas de capital inglês, australiano ou sul-africano, a mineração do ouro segue a passos largos. Tiradentes buscaria, então, descobrir o que aconteceu e poderia ver que, hoje em Minas, se o mineiro vai ao aluvião e, artesanalmente, no uso de uma bateia, apura alguma quantidade de ouro, cujo grama atualmente vale R$ 289,00, ele é, imediatamente, preso pela Polícia Ambiental. Dois gramas de ouro por dia são R$ 578,00. Dez dias trabalhados, portanto, rendem R$ 5.780,00, nada mal em tempos de crise e desemprego.
Na época de Tiradentes, quando vivíamos sob o “jugo” português, o mineiro que descobrisse uma jazida de ouro passava a deter o direito de lavra, sendo-lhe permitido explorá-la. Hoje, tudo é oligopólio das grandes mineradoras, num sistema de exploração mineral injusto que, simplesmente, proíbe o mineiro de minerar, privilegiando apenas o grande capital e empresas multinacionais. De proprietário das Minas, o mineiro passou a participar da mineração apenas como empregado das grandes mineradoras. Nesta situação, certamente, Tiradentes seria acometido por uma saudadezinha do “jugo” português e ponderaria: "será que fiz certo ao conspirar contra a rainha?"
Um segundo grande choque teria Tiradentes ao descobrir, então, o que acontece com a mineração do ferro. Veria que, a exemplo do que ocorre com o ouro, na mineração do ferro o mineiro também não é mais dono das Minas, participa da atividade minerária apenas como empregado das grandes mineradoras, num contexto de cada vez menos postos de trabalho. O Conjurado, alferes da Cavalaria, viajante que era, passaria por Mariana, Brumadinho e conheceria o morticínio e toda a destruição que o atual modelo minerário vem causando a Minas Gerais. Passaria por Barão de Cocais, pelo Socorro, Ouro Preto, por Itabira, pelo Itabiruçu, e veria nos olhos do mineiro o medo e pavor da mineração, o temor de ter a vida arrasada por um vagalhão de lama, oriundo de rompimento de barragem de rejeito de minério,o medo de morrer dentro de sua própria casa. “Nem mesmo da Derrama, nós mineiros tínhamos tanto medo, pois nem ela produzia morticínios”, concluiria o Herói da Inconfidência.
Provavelmente, após presenciar a lamentável situação em que, atualmente, se encontra Minas Gerais, Tiradentes, sendo carismático e tão politizado como era, mesmo que atônito, logo procuraria algum mineiro com quem pudesse iniciar uma conjuração contra tal perturbador estado de coisas e, certamente, levaria mais um grande susto. Depois de uma conversa, reconheceria:“o mineiro contemporâneo acredita que é caipira, se despolitizou”.  Logo Minas, que foi fundada e estabelecida em meio a centenas núcleos mineradores, eminentemente, urbanos, de arquitetura sofisticada e ordenada, povoados por uma sociedade, igualmente, urbana, complexa, sincrética, politizada, cívica e muito inclinada a sedições, da qual o Barroco é o Rococó são a maior e mais sublime expressão de arte e produto direto desta própria urbanidade, agora, em 2020, se tornara uma terra, fortemente, inclinada ao caipirismo.
Tiradentes, então, abarcado por sua inquietude característica, buscaria compreender tal fenômeno e chegaria à conclusão de que o mineiro contemporâneo não se tornara um caipira por acaso. Tiradentes observaria que é a mídia, principalmente, a televisão que, propositalmente, vem vestindo o estereótipo de caipira no mineiro, a ponto do mineiro, atualmente, acreditar que é um caipira, de fato. E a razão disso tudo é muito simples: caipira não contesta as atuais convenções injustas da mineração, não faz política, não defende as liberdades, não participa de conjurações e também não minera. Trata-se de um processo de alienação cultural. É também por isso que o mineiro se encontra hoje proibido de minerar em Minas Gerais e nem se dá conta disso. A mídia alienou o mineiro de sua cultura minerária.
E, finalmente, depois de tantos sustos e decepções e já com o espírito um tanto desconsertado, o alferes Joaquim José da Silva Xavier não teria outra opção ao não ser suplicar: "pra mim chega, levem-me de volta para a forca, não sacrifiquei a minha vida para isto, prefiro o “jugo” português!  

segunda-feira, 20 de abril de 2020

COVIDE-19: PARA JUSTIFICAR OBRA DE 22 MILHÕES DO SANTA MADALENA IRRESPONSABILIDADE PASSA DOS LIMITES




A tentativa fracassada e mal intencionada de se adaptar no antigo terminal rodoviário um hospital de 100 leitos, ao custo de muito mais de 22 milhões de reais em recursos públicos da saúde, é certamente o maior absurdo político-administrativo da história de João Monlevade. Volto a repetir: se o Brasil contemporâneo fosse de fato um país sério, seu idealizador, o ex-prefeito inelegível Carlos Moreira, estaria hoje na cadeia, ao lado de empreiteiros e de seus assessores que avalizaram aquela obra multimilionária, que nunca alcançou a sua finalidade, até porque o sistema público de saúde do Município tem demonstrado que não comporta dois hospitais, devido às sistemáticas crises do Hospital Margarida.   
Com aquele que também é, sem dúvida, o maior exemplo de corrupção e de incompetência administrativa municipal, o pretenso hospital Santa Madalena de Carlos Moreira, João Monlevade já perdeu uma Rodoviária muito bem estruturada e localizada, muito mais de 22 milhões de reais em recursos públicos da saúde, a promessa de um hospital de 100 leitos que jamais saiu do papel, o Pronto Atendimento e corre o risco de perder a Policlínica que, recentemente, também foi transferida para aquele Frankenstein de concreto. A verdade que não é divulgada no programa de rádio do ex-prefeito é que aquele trambolho multimilionário, tecnicamente, não se encontra apto a abrigar nenhuma estrutura de atendimento à saúde da população, vez que o projeto de execução da obra não respeitou os parâmetros mínimos definidos pela vigilância sanitária para a construção de uma unidade de saúde viável, ou seja, ali pouco importava o que estava sendo construído, desde que as empreiteiras amigas do rei faturassem aquelas dezenas de milhões de reais.
 Agora, em plena pandemia, o governo do casal Simone/Carlos Moreira anuncia que instalará ali, naquele prédio do antigo terminal rodoviário, impassível de alvará sanitário de funcionamento, uma central de atendimento para pacientes com suspeita de terem contraído a Covide-19. A exemplo da transferência do PA e da Policlínica, trata-se de mais uma tentativa desesperada e, sobretudo, irresponsável de se conceder uma finalidade para aquele elefante-branco que não apresenta as mínimas condições técnicas nem para ser um posto de saúde e assim, buscar ofuscar o imenso delito administrativo representado por aquele devaneio admin$trativo.
Tudo devido à incapacidade das instituições em dar uma solução definitiva para aquele que é um verdadeiro crime de lesa-pátria monlevadense. A imprensa local jamais entrou ali para expor a verdade sobre aquela obra. Já viu, por exemplo, o jornal A Notícia rastrear os recursos públicos que foram gastos no pretenso hospital Santa Madalena?  Não viu e nem verá, seus jornalistas também são marqueteiros de políticos e ali tem o dedo, a mão e o braço de Mauri & Cia. Já viu os vereadores encamparem qualquer causa pela resolução do Santa Madalena? Jamais, a maioria é fisiologista e há até aqueles cujos parentes estão empregados no sistema público de saúde. Já viu o Ministério Público entrar ali? De jeito nenhum, aquela obra multimilionária tem intere$$es de Aécio, Rodrigo de Castro & Cia.
Mas agora é diferente, o Município vivencia um estado de exceção sanitário e irresponsabilidade tem limite.  Utilizar aquela estrutura que não é passível de alvará sanitário, que não tem ventilação, iluminação natural e é completamente insalubre, como definido recentemente pelos próprios profissionais da saúde que lá trabalham, para o atendimento preliminar de pacientes com suspeita da Covide-19 pode custar muitas vidas. Ora, se o pretenso hospital Santa Madalena não é passível de alvará sanitário,  significa que ele não reúne as condições para, por exemplo, impedir os processos infecciosos, etc. E com vida humana não se brinca, muito menos para justificar uma incompetência que já custou tanto ao monlevadense! Dinheiro, Rodoviária, etc, o Município pode reavê-los, mas as vidas humanas são insubstituíveis.        

sábado, 18 de abril de 2020

A Maior Descoberta Histórica de João Monlevade nos Últimos Tempos: O Edifício da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros


Você que é leitor do Blog Monlewood tem tido a exclusiva oportunidade de acompanhar a maior descoberta histórica de João Monlevade nos últimos tempos. Trata-se do edifício construído pela Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros (foto acima), fundada por Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, onde, a partir de 1891, funcionou a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, neto do patrono do Município. Foi também aqui no Blog Monlewood que você pôde tomar ciência de que, muito distante daquele discurso oficioso circulante, que classifica a Fábrica de Ferro Monlevade como “uma pequena forja catalã, fabriqueta de enxadas”, existiram na verdade três fábricas de ferro dos Monlevade - uma “pequena forja catalã” jamais produziria, em pleno sec. XIX, peças de ferro de mais de 900 quilos de peso e as enviaria para a Mina de Ouro do Morro Velho, a mais de 80 milhas de distância.


A primeira, a Fábrica Velha, que funcionou de 1828 a 1853 e se encontrava instalada onde hoje é a Rua dos Contratados. A segunda, a Fábrica Nova, que funcionou a partir de 1853, tendo o ano de seu encerramento ainda indefinido entre 1872 e 1888 e se encontrava instalada num local mais amplo abaixo da primeira. E a terceira, a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade (foto), que funcionou de 1891 até a falência da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros e se encontrava instalada, na margem esquerda do Rio Piracicaba, no Bairro Jacuí.  E o mais interessante é que, ao contrário das duas primeiras, cujas ruínas nem mesmo são conhecidas, devido à massiva terraplanagem realizada naqueles entornos para as instalações da Ferrovia Vitória-Minas e da moderna siderúrgica a partir de 1935, o magnífico prédio que albergou a equipadíssima oficina da Fábrica de Ferro Francisco Monlevade ainda se encontra de pé, a funcionar, apesar de alterada a sua destinação. É verdade que aquele prédio em si não é desconhecido do monlevadense, pois muitos trabalharam nele, etc. Contudo, quase ninguém sabe que aquele edifício no Bairro Jacuí foi construído mediante capital da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, originalmente, para abrigar a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, descoberta histórica esta que você apenas pôde acompanhar aqui, no Blog Monlewood. Aliás, a grande maioria do acervo que hoje compõe o Museu Monlevade do Ferro e do Aço, mantido pela Arcelormittal, é proveniente da fábrica de Francisco de Monlevade. 


A extinta Belgo-Mineira aproveitou o prédio da Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade para instalar nele a casa de máquinas da hidrelétrica do Jacuí, que assim funciona ainda hoje.Tal fato jamais foi divulgado pela empresa. Apesar de sua grande importância histórica para o Município, o prédio da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade (imagem de satélite) não é aberto à visitação pela Arcelormittal. Na edição nº 7, de 15 de abril de 1894, da Revista Industrial de Minas Gerais, disponível para consulta no Arquivo Público Mineiro, existe uma completa descrição da Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, elaborada pelo engenheiro e professor da Escola de Minas de Ouro Preto, Paul Ferrand, que transcrevo a seguir:

"USINA MONLEVADE

Esta usina está colocada à margem esquerda do Rio Piracicaba a 14 km ao N. do Arraial de São Miguel de Piracicaba. Ela pertence à Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros desde 1891; sendo anteriormente de propriedade do Sr. João Monlevade. Neste tempo se fabricava o ferro pelo processo direto italiano com dois fornos baixos produzindo diariamente 500 quilogramas de ferro em barras. Hoje ela acaba de passar por uma transformação completa sob direção do Sr. Francisco Monlevade, neto do presidente e engenheiro da Companhia. Foi completamente abandonado o local da antiga forja, estabelecendo-se a nova oficina num lugar mais apropriado aos maquinismos modernos.
A nova fábrica compreende 5 fornos catalães americanos “Bloomary Process”, dispostos em duas fiadas, um martelo a vapor com uma caldeira de vapor horizontal, um laminador para ferros de pequenos perfis, um forno de reverbero a gás para caldeamento das lupas e 4 tendas.
Atualmente trabalham só dois fornos; dois outros estão já montados , e o último se acha em construção. Cada forno faz uma operação em 3 horas ou 8 operações em 24 horas, dando 1 tonelada de ferro em barras; isto é, 125 quilogramas por operação, repartidos em 5 barras quadradas de 6 centímetros de lado, pesando em média 25 quilogramas cada uma. A produção diária total é por conseguinte de 2 toneladas.
Os fornos são munidos de aparelhos de aquecimento do sistema Calder e os gases ainda quentes passam a redor da caldeira que fornece o vapor necessário ao martelo-vapor para se escaparem depois pela chaminé . O aparelho de um dos fornos que não trabalha serve por enquanto para aquecer o vento soprado no gasógeno do forno de caldeamento. Este gasógeno de cuba utiliza como combustível os resíduos em pó e miúdos de carvão de madeira impróprios para o forno. O martelo-vapor é de duplo efeito; seu peso é de 1,5 tonelada e seu levantamento é de um metro; serve para esbravejar (forjar) as bolas e lupas. O laminador serve para espichar as barras quadradas depois de caldeadas no forno de reverbero para obter o ferro em barras de diversos perfis.
As águas passam com uma altura de queda de 16 metros numa turbina horizontal de força de 600 cavalos-vapor. Esta turbina serve por enquanto para mover o laminador e o ventilador Roth que sopra o vento nos diversos fornos, além disso ela servirá para mover diversos outros maquinismos ainda não montados , como um laminador para fabricação de enxadas , máquinas de fazer machados, ferraduras, pregos etc. A oficina, que ocupa uma superfície de 75 metros de comprimento sobre 31 metros de largura, estará completamente acabada no fim de maio próximo , segundo espera o Dr. Francisco Monlevade, encarregado da construção e da direção deste novo e interessante estabelecimento".

   
      




quarta-feira, 8 de abril de 2020

Os Civilizados Índios Antropófagos de João Monlevade:192 Anos da Expedição Monlevade


Transcorria o mês de fevereiro de 1828. Punha-se o sol diante do Atlântico. Estávamos no Quartel de Regência Augusta, na barra do Rio Doce, Província do Espírito Santo. Era o fim de um longo e pesado dia de trabalho. Desde muito cedo, os índios faziam a baldeação das 500 arrobas (7.500 quilos) do maquinário importado da Inglaterra e recém chegado do Rio de Janeiro numa embarcação à vela, de dois mastros, para bordo de 12 imensas canoas militares (foto), as quais deveriam conduzir rio acima, fazendo uso de varames, remos, cordames e estivas, a fim de vencer numerosas cachoeiras, corredeiras e tantos outros obstáculos, numa empreitada braçal até então jamais tentada, cuja tarefa central cingia-se em transportar para o interior de Minas Gerais as pesadas máquinas para a Fábrica de Ferro do minerálogo e engenheiro francês João Antônio de Monlevade.


Mas, depois de experimentar todo o peso nos braços e sem saber do que se tratava aquela carga, logo após acomodá-la nas canoas para a viagem, o índio, simplesmente, não compreendia porque deveria transportar para o sertão aqueles objetos pesadíssimos de ferro fundido, cilíndricos, de formas estranhas, que só podiam ser erguidos com auxílio de pequenas gruas e a força de muitos homens. Para os olhos do índio, os martelos de forja ingleses não eram mais do que grandes carrancas, cujo apenas um dos malhos pesava 80 arrobas (1.200 quilos). Inconformados, os índios então jogaram os remos no chão e cruzaram os braços. Diante do ato coletivo de rebeldia, o comandante da expedição, Lourenço Aquiles Lé Noir, deu ordem de descanso e mandou servir o jantar, já era início da noite. Uma fogueira foi acesa no largo de areia da praia e os índios formaram uma grande roda em torno dela. Mal terminara a refeição, Lé Noir arrastou para o centro da roda um baú que retirara de uma das canoas de suprimentos e determinou que seu conteúdo fosse virado ao chão: eram machados, facões, foices, enxadas, alavancas, martelos, etc, tudo feito de ferro. Os índios se entreolharam e, sem cerimônia, disputaram as ferramentas que também lhes facilitavam muito a vida. Le Noir, então, se colocou a explicá-los que toda aquela carga que lhes parecia tão estranha e era tão pesada se tratava, justamente, de máquinas necessárias à fabricação de machados, martelos, facões, enxadas e de peças muito maiores de ferro, algumas maiores de que um boi. Então, o índio quis ficar com o equipamento e pediu para que se iniciasse a fabricação dos machados logo ali. E todos, em coro, gritaram “auê”! O pajé deles pediu para ver a fabricação de um boi de ferro, advertindo que era ali que as máquinas deveriam ficar, pois o deslocamento de tão pesada carga pela via fluvial poderia perturbar os espíritos do rio e despertar a ira de Tupã . O comandante Le Noir, que se divertia com a situação, seguiu a explicá-los que para se fabricar um boi ou um machado de ferro eram necessários não apenas aquelas máquinas, mas também o minério de ferro que se tira do solo e de um tipo muito especial de pajé capaz de controlar o fogo para fazer o trabalho de forja das desejadas ferramentas e, a cada vez, que pronunciava a palavra “fogo”, arremessava um punhado de pólvora na fogueira, para deleite dos índios. E disse que a 70 léguas (500 quilômetros) rio acima, em meio a grandes montanhas de puro ferro, esperava por aquele maquinário um homem diferente, o tal tipo de pajé, que era o único naquele país capaz de controlar o fogo e de fazer funcionar aquelas máquinas para fabricar um boi de ferro, se fosse preciso. O nome dele era Monlevade. Então, as instruções eram para que, no dia seguinte, todos os índios se juntassem à expedição que partiria ao alvorecer e deveria vencer todos os obstáculos previstos e imagináveis rio acima, a fim de entregar aquela preciosa carga para Monlevade, nas terras altas da Província de Minas Gerais, muito distante dali. O comandante encerrou a assembléia e recolheu-se ao quartel. Então, aí sim, houve muita cerimônia! Os índios tomaram pelas mãos as ferramentas de ferro e, cerimoniosamente, cantaram e dançaram com elas até tarde da noite. Improvisaram um boi de palha em que os dançarinos se metiam dentro e, revezando, eram reverenciados por todo o grupo. O pajé oferecia o machado aos céus e pedia à Lua cheia que lhes enviasse mais machados.
Os índios botocudos, também conhecidos como bugres, habitavam toda a bacia do Rio Doce e foram os primeiros a navegarem por aqueles rios. Extremamente, bravo e guerreiro, o botocudo também era antropófago. Mas, não se alimentava de carne humana, cotidianamente. O botocudo não devorava qualquer um, comia apenas o inimigo que demonstrasse ser o mais bravo e corajoso na batalha. Assim, o botocudo acreditava que incorporava a coragem de seus oponentes. O local escolhido para a instalação da Fábrica de Ferro de Monlevade era em São Miguel, às margens do Rio Piracicaba, afluente do Rio Doce, no extremo oeste da abrangência nativa dos botocudos. A ideia de contar com uma fábrica de ferro que também produzisse machados, facões e tantas outras ferramentas úteis dentro de seu território pareceu muito auspiciosa para o índio. Já de madrugada, a aldeia estava inteira na praia para auxiliar na partida de cerca de uma centena índios, que então se tornavam intrépidos expedicionários, decididos a transpor cachoeiras, corredeiras e tudo mais que fosse necessário a fim de entregar a salvo aquela carga extraordinária para o tal pajé chamado Monlevade, que os aguardava, ansiosamente, rio acima. Reuniram muitos remos, arcos, flechas e tomaram seus lugares. Muitos se pintaram para a guerra, como se conhecessem os perigos que enfrentariam. O boi de palha foi devidamente acomodado e amarrado na proa da primeira canoa da frota e submetido à devida pajelança, como se estivesse ali para enfrentar qualquer mal que pudesse ocorrer aos expedicionários. Sobre ele os índios colocaram uma grande peça de couraça de tamanduá, resistente à flechadas e a investidas das garras da onça, muito típica da indumentária de guerra do botocudo (imagem). O Vigário de Cuieté, que se tornaria grande amigo de Monlevade, encontrava-se no Espírito Santo, necessitando de transporte para o interior de Minas e se juntou à Expedição. Antes da partida, benzeu a frota de 12 canoas, toda carga e cada um dos expedicionários. Reservadamente, aconselhou aos homens para que não praticassem grandes atos de bravura diante dos índios, a fim de não lhes despertar o instinto antropofágico.


Assim, devidamente abastecida de mantimentos, dos equipamentos necessários, de muitos remos, arcos, lanças, flechas e das 500 arrobas da preciosa carga, naquela manhã, zarpou de Regência no Espírito Santo, sob o comando de Lourenço Aquiles Le Noir, a histórica expedição tripulada pelas divisões militares de outro ilustre francês, Guido Thomáz Marliéri, e por cerca de uma centena de bravíssimos índios botocudos, que transportariam, através de arriscadíssima e inédita navegação pelos rios Doce e Piracicaba, até o interior de Minas Gerais, o maquinário indispensável para a fundação da mais importante fábrica de ferro a operar no Brasil Imperial. Tudo, com muita fé, cerimônia indígena e determinação. Nem pareciam aqueles temidos antropófagos que eram.
Muito mais tarde, depois de se tornar o maior fornecedor de artefatos de ferro das companhias mineradoras de ouro, João Antônio de Monlevade escreveria sobre o poder civilizatório do ferro:
“O futuro grandioso desta terra ... não está no ouro, nos diamantes, mas sim no ferro este grande agente da civilização ... sem o qual os países, os mais civilizados, em poucos anos estariam reduzidos ao estado selvagem”.