terça-feira, 3 de novembro de 2020

Cemitério Histórico pode ser a maior fonte de dados sobre a escravidão em João Monlevade


Durante os quase 50 anos que aqui viveu, João Monlevade colacionou uma invejada Biblioteca e farta documentação, composta pela contabilidade e registros de sua Fábrica de Ferro, além de muitos relatórios mineralógicos e correspondências trocadas com diversas autoridades. Poucos anos após o falecimento de Monlevade, Henri Gorceix fundava, em 1876, a Escola de Minas de Ouro Preto, propondo a compra de parte da Biblioteca de João Monlevade. Era um acervo de cerca de 300 volumes, dentre os quais se destacavam 57 volumes do “Annales des Mines” e do“Journal des Mines”, 30 volumes do “Dicionaire critique et bibliographique”, 13 volumes do “Cours de Agriculture” e inúmeras obras sobre a metalurgia do ferro. Contudo, a compra não se concretizou. E, infelizmente, quando a propriedade foi vendida para a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, em 1891, a Biblioteca e os registros produzidos ao longo de quase 5 décadas pela Fábrica Monlevade foram extraviados para o Rio de Janeiro, encontrando-se hoje em paradeiro desconhecido. Muito possivelmente, tais documentos devem integrar hoje algum acervo do Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, pois não é possível crer que foram jogados fora, já que possuíam grande valor econômico, vez que, entre outros, eram os primeiros registros da imensa riqueza mineral de Minas Gerais. Assim, atualmente, são muito poucos os documentos disponíveis capazes de embasar a história da Fábrica de Ferro Monlevade. Os principais são as cartas de Guido Thomaz Marlieri, que registram a expedição pelos rios Doce e Piracicaba, tripulada por uma centena de índios botocudos, que transportaram as 7,5 toneladas de equipamentos para o local escolhido para o estabelecimento da fábrica e o Relatório de 1853, redigido de próprio punho pelo Monlevade, que descreve as cinco cordilheiras de ferro de Minas Gerais, sua Fábrica de Ferro, etc, etc. 
Muito pouco se sabe, por exemplo, a respeito de seus escravos. E na falta de registros documentais disponíveis, a arqueologia pode se tornar uma boa base de dados para o esclarecimento de uma faceta muito controversa e pouco abordada de nossa história que foi a escravidão em João Monlevade. 
Monlevade foi sepultado em meio a seus escravos. No alto de uma colina a pouca distância do Solar Monlevade, situa-se o Cemitério Histórico, também chamado de Cemitério dos Escravos, onde se encontram os túmulos do próprio João Monlevade, de Louis Ensch, etc, e onde, segundo a tradição oral, também se encontram sepultados os corpos dos escravos que serviram à Fábrica de Ferro Monlevade. O cemitério é amplo, murado de alvenaria de pedras e os jazigos dos escravos são desprovidos de sepultura, o que impossibilita distingui-los. Não se sabe, ao menos, quantos escravos estão sepultados ali. O que se sabe é que foram muitos, mais de 150. Na falta dos registros, apenas uma escavação criteriosa poderia revelar o número exato de sepultamentos ali ocorridos. E, a partir do estudo do material exumado, tantas outras informações valiosas ainda poderiam ser fornecidas como, sexo, idade, origem étnica, desgaste ósseo por esforço repetitivo, fraturas por acidentes do trabalho, causa da morte, etc, etc. 
O Cemitério Histórico é uma cápsula do tempo, aguardando para ser revelada e, sem dúvida, o maior “banco de dados” que se conhece hoje sobre a escravidão em João Monlevade. Algum dia, esse trabalho de arqueologia será realizado e muitas perguntas serão respondias.

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