sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O Solar de Quatro Faces e o Sol de Seis Raios de João Monlevade


No que diz respeito à sua implantação e ao seu funcionamento, nada foi obra do acaso na Fazenda Carvoeira e Fábrica de Ferro de João Antônio de Monlevade. Desde a disposição dos edifícios, passando pela a abertura de estradas carroçáveis, pela instalação de pontes, pela escolha dos locais de aproveitamento dos recursos naturais, como a utilização do potencial hidráulico dos cursos d’água, a extração do minério de ferro e da madeira, da produção do carvão, até a administração do estabelecimento, tudo se deu em obediência a um conceito muito próprio de solar, no sentido de que era necessário estabelecer um ponto geográfico central, por meio do qual fosse possível a inspeção pessoal de todos os principais serviços envolvidos na cadeia produtiva do empreendimento. E é neste ponto específico que foi erguido o Solar Monlevade.
Assim como o Sol se encontra no centro de nosso sistema planetário que, não por menos é chamado de Sistema Solar, o Solar Monlevade (foto) foi planejado e posicionado na paisagem de maneira a possibilitar o monitoramento contínuo de todos os serviços que orbitavam a produção e a entrega da variada gama de artefatos de ferros forjados pela Fábrica Monlevade. É o que registrou o próprio Monlevade em seu famoso Relatório de 1853:
[...]
“Da morada principal avista-se ele (o rio) ao longe. Ela (o Solar Monlevade) é de sobrado com varandas nas quatro faces, tanto embaixo como em cima, segura com dobrada fileira de esteios; e está colocada no centro de quatro grandes corpos de construções ocupadas pelos escravos, etc. Esta situação facilita singularmente a administração e inspeção do estabelecimento”.
[...]
Assim, das varandas de seu Solar, Monlevade podia avistar e inspecionar, pessoalmente, em todas as direções, o funcionamento dos vários serviços essenciais a seu empreendimento, até mesmo no período das chuvas, o que dificultava muitos deles, como o corte da madeira, a produção do carvão, a mineração e o transporte das peças de ferro, etc. Não se pode deixar de reconhecer que João Antônio de Monlevade foi também um grande maestro que conseguiu como nenhum outro, antes ou depois dele, a regência simultânea, organizada e planejada de todos aqueles serviços. Pode-se dizer, então, que o Solar Monlevade se encontrava disposto em relação aos demais serviços da Fazenda Carvoeira e Fábrica de Ferro, do mesmo modo com que o maestro se posiciona diante de uma orquestra. 


 Mas, o conceito de Solar Monlevade, enquanto ponto central do estabelecimento, não se encerra aqui. É preciso ter em mente ainda que Monlevade também é considerado pela historiografia como um dos maiores construtores de estradas da Minas Gerais oitocentista. E não eram quaisquer estradas. As estradas abertas e estabelecidas por Monlevade, muitas das vezes, contavam com pontes para travessia dos rios, coisa rara na época, e permitiam o trânsito de grandes carretões de quatro rodas, puxados por muitas juntas de bois, capazes de transportar peças de ferro de mais de uma tonelada de peso para seus clientes preferenciais, que eram as Minas de Ouro administradas pelos ingleses como o Gongo Soco, o Morro Velho, etc. Assim, o Solar Monlevade também era o início central de uma extensa rede de estradas carroçáveis, por meio da qual a produção daquela fabulosa indústria era escoada. Em cada janela do andar térreo do Solar Monlevade encontram-se talhados na madeira dois emblemáticos sois de seis raios cada um (foto), numa clara alusão ao conceito de solar e à rede de estradas que dele se iniciava. 




Veja por meio da imagem anexa que o sol de seis raios representa, justamente, os seis ramos de estradas que se originam das imediações do Solar Monlevade, rumando para todas as direções, as quais ainda são utilizadas ainda hoje. Duas delas correspondem, atualmente, ao traçado de duas das mais importantes vias do Município, as avenidas Getúlio Vargas e Armando Farjado.
E foi assim, como um distinto maestro, regente de uma grande orquestra organizada, que João Monlevade conseguiu a inédita façanha de, a partir de 1828, produzir em escala industrial, ininterruptamente, por mais de 50 anos, uma variada gama de ferramentas e artefatos de ferro para a mineração do ouro, fazendo dele a maior autoridade brasileira de sua época no ramo da metalurgia e da mineralogia, além de detentor da mais importante Fábrica de Ferro do Brasil-Império.


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