quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Principal Produto da Fábrica de Ferro Monlevade





Muito distantes daquele discurso romanceado comumente utilizado para descrever o pioneiro empreendimento metalúrgico de João Antônio de Monlevade como “uma pequena forja catalã, fabriqueta de enxadas e artigos para a agricultura”, as peças dos museus e os documentos históricos revelam o contrário, uma indústria pesada, de grande escala e engajada, sobretudo, no fornecimento de artefatos de ferro empregados na mecanização do processo de mineração de ouro e, portanto, diretamente ligado à economia mineradora e não à agricultura, como se conta, inserindo, com muita propriedade o Município no mapa da Estrada Real. O fenômeno da deturpação histórica é corriqueiro no Brasil e afeta com grande intensidade tudo que se relaciona com a Ciclo do Ouro em Minas Gerais. Assim como Monlevade é associado à agricultura o mineiro é tomado pelo estereótipo de caipira, apesar de as Minas terem se estabelecido por meio de núcleos urbanos ordenados a que se impunham severas regras de arruamento e posturas. O propósito é esfacelar a identidade brasileira, porque, assim fica muito mais fácil sabotar o país em benefício de uma elite parasitária e infecunda, como se tem exacerbado nos últimos anos. Se o mineiro tivesse consciência de sua história, de sua identidade, do que Minas representa, já teria deflagrado um revolta contra o que ocorre no Brasil, como, por muito menos, fez Felipe dos Santos e tantos outros. 
Uma consulta ao Catálogo de Preços da Fábrica de Ferro de Monlevade revela que ela produzia enxadas, foices, machados, ferraduras, cravos, ferramentas para ferrar, pregos, fechaduras para portas, tachos, bigornas, aguilhões, ferro em barras, argolas para eixo, cavilhas, ferragem completa para carro de bois, engenho de serra “e mais todos os objetos precisos para o uso, e concertos de toda natureza, por preços cômodos”. Monlevade produzia de tudo que podia ser feito de ferro naquela época. De fato, seu o produto mais popular era a enxada. No entanto, não era o principal produto da fábrica.
Em 1853, Monlevade escreveu que “por dia rende a fábrica 30 arrobas (450 quilos) de ferro quase todo reduzido em obras, principalmente em mãos de pilões para as Companhias Inglesas, e Mineiras Brasileiras...” Como se vê, segundo registro do próprio Monlevade, o principal produto de sua Fábrica era as mãos de pilões para as companhias inglesas e mineiras e não ferramentas para a agricultura, como muitos dizem. O que Monlevade chama de “mãos de pilão” são, na verdade, as cabeças de ferro dos trituradores do denominado Engenho de Eschwege, muito utilizado naquela fase da mineração para triturar o quartzito aurífero e dele lavar o ouro nas companhias mineradoras inglesas que se instituíram às dezenas por toda a Minas Gerais, a partir de 1825.
Naquela época, o ouro de aluvião, tão facilmente, encontrado sob a superfície do solo, às margens dos ribeiros e julgado inesgotável, dava sinais claros de exaustão. Era preciso trabalhar os veios, de onde o ouro de aluvião se originava. Para tal, novas técnicas e equipamentos foram introduzidos na mineração regional, principalmente, pelas companhias inglesas. Uma delas foi o emprego do Engenho de Eschwege, que consistia numa grande roda d’água, acoplada a um eixo giratório que transmitia a força necessária para erguer uma série de pilões de madeira, cujas as bases eram pesados blocos de ferro . O eixo girava, erguendo os pilões que , com meia volta, perdiam o apoio e caiam sobre a rocha, triturando-a , num movimento de sobe e desce contínuo. 
O aludido engenho levou o nome de seu inventor, o Barão de Eschwege, metalúrgico alemão que, a exemplo de Monlevade, veio para o Brasil, na leva de exploradores que se seguiu à transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, a fim de estudarem as riquezas naturais do país. O Engenho de Eschwege aumentou muito o rendimento das Minas de Ouro, naquele período.
No Museu do Ouro em Sabará existe um exemplar do Engenho de Eschwege, que, por 50 anos funcionou em Brumal, Santa Bárbara . Nele é possível verificar a série de oito trituradores, cujas cabeças de ferro de 80 quilos, cada uma, eram o principal produto da Fábrica de Ferro de João Antônio de Monlevade.
Se você nunca viu algo produzido por Monlevade, deleite-se com visão destes oito aríetes, devidamente, equipados com as cabeças de ferro forjadas em sua Fábrica. A fita perimétrica na foto demonstra que, infelizmente, a estrutura deste belo e, talvez, último exemplar do Engenho de Eschwege se encontra instável, demandando por restauração, tendo uma das cabeças de ferro se soltado do pilão de madeira, situação que, embora lamentável, permite verificar que as mesmas apresentam um cabo concêntrico por meio do qual eram conectadas aos pilões de madeira e fixadas com duas argolas quadradas. Todas forjadas pelo Martelo-Vapor de Monlevade. 
A produção em escala de tais artefatos de ferro insere Monlevade diretamente na economia mineradora, ao mesmo tempo, que reafirma o caráter industrial de seu empreendimento, pois, como consistiam em insumo produtivo, as mãos de pilão podem ser caracterizadas como bens de capital. Era um produto muito demandado. Estima-se que, naquela época, funcionavam cerca de 50 Engenhos de Eschwege na região de Sabará, Santa Bárbara, Caeté e Nova Lima, cujas cabeças de ferro forjado precisavam ser substituídas após 90 dias de trabalho contínuo. 
Pelo peso e número das peças, é improvável que as mão de pilão eram transportadas da Fábrica de Monlevade até as companhias mineradoras em lombo de mulas. Monlevade abriu na região uma considerável rede de estradas carroçáveis, ergueu pontes sobre os rios Piracicaba e Santa Bárbara e contava com carros de bois de quatro rodas e "carretões à moda europeia", cujas ferragens ele mesmo fabricava. Eles eram conduzidos por seus escravos, utilizados nos trabalhos de sua fábrica e para o transporte de sua produção. Houve carretão de Monlevade que levou um aguilhão de ferro forjado com 900 quilos de peso para a Mina do Morro Velho, em Nova Lima. Peças maiores foram transportadas para a Mina do Gongo Soco. Muito provavelmente, as mãos de pilão também eram transportadas nos carretões de Monlevade. 
Pode-se dizer que foi a produção dos artefatos de ferro da Fábrica de Monlevade que viabilizou, tecnicamente, a última fase da mineração do ouro em Minas Gerais, marcada pela mecanização e não apenas pela utilização do Engenho de Eschwege, como também pelo emprego de vagonetes sob trilhos nas galerias subterrâneas. No Museu Monlevade, atualmente, destelhado e fechado à visitação, existe um exemplar destes vagonetes. 
A herança linguística desta ultima fase da mineração do ouro deixou traços que ainda podem ser observados no jeito de falar do mineiro. Foi convivendo com os ingleses das companhias mineradoras que o mineiro passou a empregar em seu vocabulário termos como “Sô”, “Uai” e “Trem”. “Sô” tem sua origem na palavra inglesa “Sir” com a qual os ingleses eram tratados. “Uai” também vem do inglês, “Why”, que significa “Por quê”. Considerando a brasilidade do mineiro e até mesmo o significado da expressão “para inglês ver” o vocábulo “Why” devia ser a palavra que o mineiro mais ouvia de seu patrão inglês: Por quê? Por quê? Por quê? E “Trem” tem sua origem em “Train”, que não era o trem de ferro, mas sim o sistema de vagonetes utilizado para extrair o minério aurífero das galerias subterrâneas das minas operadas pelas Companhias Inglesas.

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