sexta-feira, 15 de outubro de 2010

História das Minas de Ouro e Diamante: Chica da Silva, a Rainha do Tijuco


Não existe um consenso entre pesquisadores de como teria sido a aparência física de Chica da Silva. No entanto especula-se que se não fosse bela e formosa, dificilmente, teria inspirado paixão tão ardente e duradoura.


Hoje, deixo a região das minas de ouro, rumo ao norte da Capitania, em direção ao Distrito Diamantino do Tijuco, em busca de uma das personagens mais conhecidas e injustiçadas da história das Minas Gerais: Chica da Silva, a escrava que viveu como rainha. Na segunda metade do século XVIII o arraial do Tijuco, hoje cidade de Diamantina, vivia a glória do sucesso da aventura mineradora. Em volumes nunca antes imaginados, gemas de diamantes brotavam por todo o chão ressequido do sertão do Jequitinhonha, atraindo a cobiça de fidalgos portugueses que chegavam ao Brasil, fugidos de um grande terremoto que destruíra a cidade de Lisboa. O sistema de mineração adotado pela coroa portuguesa na região dos diamantes não repetiu o formato da extração do ouro em outras partes da capitania mineira. Enquanto os mineiros dos centros auríferos eram subordinados ao governo da Capitania, que distribuía as datas mineradoras, o Distrito Diamantino era, imediatamente, subordinado, ao rei de Portugal, que concedia, diretamente, os contratos de mineração, geralmente, a portugueses. O contratador mais famoso e afortunado do Tijuco foi o desembargador português, João Fernandes de Oliveira. Nunca se extraiu tantos diamantes como no tempo do seu contrato. E quando deixou Portugal, mal sabia ele que no agreste mineiro encontraria sua grande paixão: a escrava Francisca da Silva. A historiografia oficial não tem sido muito fiel à verdadeira biografia de Chica da Silva. Tem sido comum se atribuir à Rainha do Tijuco uma personalidade abrutalhada e grosseira, capaz dos mais estranhos atos e, muitas das vezes, esquizofrênica e de libido incontrolável. No entanto, para se extrair dos testemunhos históricos a verdadeira essência da escrava Chica, primeiro, há de ser expurgado todo o preconceito e estigma, que, certamente, emergiram de uma sociedade, rigidamente, hierarquizada, que viu, cética, uma escrava mulata se tornar a mais opulenta e prestigiada figura do Tijuco. Novas leituras sobre sua vida, realizadas em paralelo com os preceitos da sociedade da época, desfazem o mito de que Chica da Silva teria sido uma mulata de feições e temperamento grosseiros, promiscua e cruel, como descreveram muitos historiadores. É o que confirma um recente estudo realizado pelo departamento de História da Fafich (UFMG), que demonstra não ter sido a ex-escrava a mulher devassa retratada no filme Xica da Silva, de Cacá Diegues, lançado na década de 70, por exemplo. Através de vários documentos pesquisados e do comportamento de toda a sua vida foi possível montar um colcha de retalhos que contradiz, completamente, a personalidade da Chica, construída até então. A análise de elementos como, a estabilidade do casamento com um nobre branco, o fato de Chica freqüentar a elite e todas as irmandades religiosas brancas do Tijuco e de ter sido enterrada no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis (destinado aos brancos ricos) são provas suficientes de que ela era uma mulher que se portava de acordo com os rígidos padrões morais e sociais da época. Caso contrário, teria sido impossível que Chica tivesse tais privilégios. Injustiças históricas à parte, o fato é que a avassaladora paixão entre Chica da Silva e o Contratador João Fernandes de Oliveira transportou a ex-escrava a um verdadeiro conto de fadas, que só pode ser comparado, guardadas as devidas proporções, à biografia de Chico Rei, o escravo que virou rei em Vila Rica (atual Ouro Preto). Filha de um relacionamento extraconjugal do português Antônio Caetano de Sá e da escrava Maria da Costa, Francisca da Silva nasceu escrava e foi libertada por solicitação do contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Assim que foi libertada, Chica da Silva, que tinha trabalhado como escrava para José Silva Oliveira, casou-se, informalmente, com seu libertador, com quem teve 13 filhos (alguns historiadores dizem que foram 12). Antes de conhecer o contratador de diamantes, também fora escrava do sargento-mor Manoel Pires Sardinha. Deste relacionamento, nasceram dois filhos: Plácido Pires Sardinha, que se formou em engenharia pela Universidade de Coimbra, e Simão Pires Sardinha, também educado na Europa. A desmistificação da personagem Chica da Silva deve ser feita de maneira cautelosa. Não foi por menos que ela recebeu o apelido de "Chica que manda". Excentricidade, opulência e poder eram sua marca indelével. No Tijuco, quem precisasse de favores do poderoso contratador João Fernandes, primeiro se recorria à Chica. Dominando o contratador, dominava o Tijuco, como uma rainha, e cada desejo seu, por mais incomum que fosse, era, imediatamente, realizado. Nadava em dinheiro e fazia alarde da riqueza com seus caprichos. Mandava fazer suas roupas com os mais caros tecidos e suas jóias eram as mais preciosas de que se tinha notícia. Tudo que de melhor havia era para ela. Nas igrejas das irmandades brancas, o negro não podia ultrapassar o marco da torre. Mas, nas do Tijuco, o lugar de honra era de Chica. Só comparecia às grandes solenidades, elegantemente, vestida, coberta de jóias e acompanhada por doze lindas mulatas trajadas de seda, que lhe seguravam a cauda do vestido espalhafatoso. O apaixonado contratador deu-lhe de presente uma chácara enorme.Sem fazer economia, mandou erguer ali um palácio colossal: um castelo com torres, amuradas, uma rica capela, parque com cascatas e lagos, floresta para caça, pomar e jardim com plantas exóticas, além de um salão para teatro. Nessa chácara aconteceram as mais esplendorosas festas a que toda a nobreza do Tijuco comparecia. Banquetes que custavam rios de dinheiro, bailes a rigor, cabeleiras empoadas, saias balão e decotes à moda de Lisboa. Ao anoitecer acendiam-se as luzes das cascatas e dos lagos e, neles apareciam barcos dourados, numa reprodução tupiniquim das gôndolas venezianas. A fidalguia pedante dava gritos de alegria, enquanto navegava sobre as águas iluminadas. No teatro se apresentavam comediantes vindos de longe para representar as peças mais afamadas da época. À medida que lhe crescia a fortuna, cresciam também os caprichos. E ela cismou de comprar um navio para ostentar ali mesmo no Tijuco, sertão das Minas Gerais. O contratador mandou rasgar um grande lago na chácara e colocou lá um navio com velas, mastros e tudo que tinha direito.Lá ia Chica da Silva, gloriosa, singrando as águas do seu lindo lago num navio feito só pra ela. Morreu em 1796 e foi enterrada na igreja de S. Francisco de Assis, privilégio reservado apenas aos brancos ricos, como já dito. Mesmo que de maneira distorcida, a figura de Chica da Silva permanece viva no imaginário mineiro como um conto de fadas somente possível na singularidade da história das Minas Gerais.

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