

Era o final de um
dia do mês de agosto do segundo quartel do sec. XIX. O sol já se punha entre as serras e o vento frio cortava as
encostas íngremes do vale estreito, pelo qual uma numerosa tropa de muares descia, cuidadosamente, o caminho, terminando uma longa viagem que começara a 8 léguas e meia de
distância dali, na residência do Gongo Socco.
Era a comitiva de João Batista Ferreira de Sousa Coutinho, o Barão de Catas
Altas, ninguém menos que o homem mais rico do Brasil Império, dono de ricas
Minas de Ouro, conhecido por suas gastanças extravagantes, que, como de
costume, viajava acompanhado de um séquito de seguidores, a quem pagava as contas. Não era a primeira
vez que Catas Altas se deslocava para aquelas paragens. Já havia estado ali em
outras oportunidades para visitar sua sobrinha Clara Sophia de Souza Coutinho,
desposada em casamento pelo minerálogo e metalurgista francês João Antônio de Monlevade. Mas, naquela ocasião, o
Barão lá se encontrava, especialmente, curioso para conhecer o pleno funcionamento da grande
novidade chegada à região, a máquina a vapor. Tratava-se do Martelo-Vapor
de Monlevade, utilizado para forjar blocos em peças de ferro de dimensões até
então jamais produzidas no Brasil.
O tempo seco favorecia a viajem e, com paciência, a comitiva vencia o último
trecho escarpado do trajeto até, finalmente, se ver diante do vale do Rio Piracicaba,
onde Monlevade havia instalado sua fabulosa Fábrica de Ferro. Uma mula que
levava duas bruacas contendo presentes e mimos para os anfitriões, coberta por
uma manta bordada em fios de ouro, estampada com o brasão do Barão de Catas
Altas ia à frente, liderando a tropa, quando um longo e rouco apito ecoou por
todo o vale. Imediatamente, a mula-madrinha parou, arqueou as orelhas e,
apreensivamente, voltou os olhos para trás, recusando-se a seguir à frente. O forte apito se repetiu e foi sucedido pelo som de uma série de fortes pancadas... bang, bang, bang, bang! A mula , então, empacou e nada mais a
tirava do lugar. Arredios, os demais animais deram meia-volta e iniciaram o esboço de debandada. Catas Altas e a grande comitiva, então, decidiram apear, deixando a tropa por conta
do arrieiro para terminaram a viagem a pé, pois já se encontravam nas imediações
do Solar Monlevade.
Na chegada, foram todos, prontamente, recebidos por Monlevade que, estranhando a
ausência dos animais, indagou ao Barão:
-"Sacrebleu"! Vieram à pé, meu
nobre Barão?
E Catas Altas
respondeu:
-Não, meu caro. As mulas estão
acima, relutantes em adentrar em vossa propriedade.
Monlevade então recepcionou o Barão com um forte abraço de boas vindas e, puxando-o pelo braço precipitou logo
em leva-lo para debaixo das tendas da Fábrica, onde os escravos-ferreiros
terminavam o último trabalho do dia com o Martelo-Vapor.
Catas Altas, homem muito carola, pio, crente de que se algo se movesse sozinho
só podia ser em função do vento ou de assombração, viu-se, então, diante da tão
comentada e festejada Máquina a Vapor. Aquilo era impressionante! Além de
esbravejar os pesados blocos incandescentes de ferro com uma força que estremecia tudo ao redor, aquela coisa também bufava, apitava e sacolejava. As mulas
tinham razão em se recusarem a descer ao vale: "aquilo era coisa de outro mundo", se impressionou o Barão.
Monlevade, rapidamente, assumiu os comandos da máquina que soltou outro longo apito, em meio a mais uma rajada de vapor, seguida de nova série de pancadas... bang, bang, bang! Ao dissipar a fumaça, o Barão, pálido, sacou logo do bolso seu relógio de ouro e desconversou:
-Vejam como já é
tarde! Alguém viu minha sobrinha?
Antes que obtivesse
resposta, Monlevade tomou-lhe o relógio da mão, posicionando-o bem debaixo do malho do
Martelo-Vapor e, operando os comandos da máquina, depois de outra bufada de vapor, deferiu o golpe sobre o
relógio. Assustados, todos se entre olharam. Catas Altas, a essa altura, já havia
perdido o fôlego e, incrédulo, esperava por desfecho pior. Mas, Monlevade detinha
controle perfeito da máquina e fizera com que o pesado malho
de 1.500 quilos do Martelo-Vapor interrompesse seu brusco movimento, pairando a apenas
alguns milímetros da lente do relógio de bolso, que, para admiração de todos e alívio de Catas Altas, permanecia intacto.
E da varanda do Solar Monlevade, de onde eram observados pela dona da casa,
veio a reprimenda:
-João, meu tio não está acostumado com essas suas tais modernidades, nem com esses vapores!
Pare de brincadeiras e encerre logo os trabalhos nas tendas para que as mulas possam
descer com minhas prendas!