
Este quase bordão de “uma pequena
forja catalã, fabriqueta de enxadas”, seguramente, foi cunhado dentro da Usina.
Infelizmente, é o que se ouve e o que se aprende, erroneamente, nas escolas
locais sobre a história do minerálogo e metalurgista francês João Antonio de
Monlevade (retrato). Na verdade, sob o ponto de vista da estrutura do
estabelecimento, não existiu apenas uma, mas sim três as fábricas de ferro da
Família Monlevade: a Fábrica Velha, que funcionou de 1828 a 1853, a Fábrica
Nova, que funcionou de 1853 a 1888 e a fábrica a cargo de Francisco Monlevade,
neto do patrono do Município, que funcionou a partir de 1891, mediante
investimento da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros. Elas também não eram
pequenas. A mais consagrada, a Fábrica Velha, por exemplo, rendia cerca de meia
tonelada de ferro por dia e foi a primeira a fabricar o dito metal e o carvão
em escala industrial. Também foi pioneira em produzir as maiores peças de ferro
ate então já fabricadas no Brasil, com peso aproximado de uma tonelada. Os
equipamentos de forja da Fábrica Velha, como os marteletes hidráulicos, o
laminador e o grande massame, também não eram catalães, mas sim ingleses.
Catalão era apenas o método de se obtenção do ferro. E seu principal produto
jamais foi a enxada, como propõe o discurso da Arcelormittal, mas sim as mãos
de pilão, que eram blocos de 80 quilos de peso em ferro forjado, empregados no
Engenho Mineiro de Pilões (foto) que eram muito utilizados nas Minas de Ouro do
sec. XIX para o processamento do quartzito aurífero.

Monlevade já foi muito estudado por
diversos historiadores que são unânimes em caracterizar seu empreendimento
metalúrgico como a maior e mais importante Fábrica de Ferro a Funcionar durante
o Brasil-Império, fornecedora preferencial de artefatos de ferro paras as Minas
de Ouro, sobretudo as das companhias inglesas, como o Gongo Soco, o Morro
Velho, Pari, etc.
Recentemente, assistindo o excelente
documentário A Colônia Luxemburguesa, no capítulo dedicado a João Monlevade, vi
e ouvi o representante a Arcelormittal dizendo que “...nessa forja, ele
(Monlevade) produzia, a partir do minério de ferro, pequenos produtos a base
dessa matéria prima. Arados, pás, enxadas, foices, ferramentas que eram
utilizados muito na região, na áreas rurais para agricultura...” Veja que,
muito diferente do que revelam os registros históricos, o discurso da
Arcelormittal é sempre no sentido de diminuir a obra de Monlevade, associando-a
agricultura. Veja que o representante da Usina falou em “pequenos produtos”,
“pás, enxadas e foices”, “utilizados” “nas áreas rurais para agricultura”. É
sempre assim!
Mas, então, por que a Arcelormittal
tem adotado tal discurso há décadas, se na verdade, Monlevade foi o único a
produzir peças de ferro de até uma tonelada de peso, tendo a Mineração do Ouro
e não a agricultura como cliente preferencial? Já pensei muito sobre isso! As
conclusões que cheguei são as seguintes. Primeiro, que é para não se despertar
o interesse local sobre a história de Monlevade. Quando se diz que Monlevade
produzia apenas pequenos artefatos de ferro para a agricultura, como foices,
pás e enxadas, diminui-se o interesse por sua obra, já que, por exemplo,
qualquer fazenda cafeeira do mesmo período também possuía uma pequena forja
para o fabrico de tais ferramentas. E sem o interesse pela obra de Monlevade,
haverá menos turistas e gente para serem recebidos no Museu, em torno do qual
se encontra instalada a Usina da Arcelormittal. Considerando ainda que a
Arcelormittal demoliu grande quantidade de patrimônio histórico, como a Praça
Ayres Quaresma, a Cidade Alta, o casario da Rua dos Contratados, os sobrados do
Social Clube, etc, a impressão que se tem é que a siderúrgica não quer mesmo gente
transitando no seu entorno. Deve ser também para não testemunharem a imensa
poluição do lugar, que se encontra muito acinzentado, tomado por particulado
siderúrgico. Outra razão possível para a diminuição da obra de Monlevade por
parte da Arcelormittal é o desejo de liberalidade na utilização do patrimônio
histórico, sem a imposição de qualquer tipo de restrição que possa ser
ocasionado pelo tombamento para fins de preservação. O Solar/Museu Monlevade,
por exemplo, apesar de tombado pela Lei Orgânica, não é um museu turístico e,
ultimamente, tem ficado mais fechado do que aberto. E não é só ele. Lembre-se
bem de que as fábricas de ferro da Família Monlevade foram três e não apenas
uma. Das duas primeiras existem, atualmente, ruínas super interessantes, que
merecem tombamento. Mas, o edifício da terceira Fábrica de Ferro Monlevade,
onde funcionou a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, a partir de 1891,
ainda se encontra de pé e é utilizado, industrialmente, pela Arcelormittal.
Trata-se do edifício das fotos, localizado no Bairro Jacuí. A Arcelormittal se
apoderou daquele edifício para instalar nele os geradores da Hidrelétrica do
Jacuí, sem jamais revelar que se tratava de um bem histórico único para o
Município, pois se trata da Fábrica de Ferro Monlevade ainda de pé, apesar de
não tombado por lei. Dessa forma, ela nunca teve de mantê-lo aberto à
visitação, assim como jamais teve qualquer de restrição na utilização do bem.
Há alguns anos, a Arcelormittal realizou uma “reforma” no edifício da Companhia
Nacional de Forjas e Estaleiros que suprimiu uma série de belíssimas arcadas
neoclássicas que existiam em sua base suspensa, sobre o leito do Rio
Piracicaba. Aliás, a Arcelormittal parece ter grande aversão a arcadas
neoclássicas, pois além de demolir a arcada da Praça Ayres Quaresma, também
suprimiu a do edifício da Companhia de Forjas e Estaleiros.
Então é por isso que a história de
Monlevade é tão diminuída e tão deturpada pela própria Arcelormittal, para que
não haja turistas em seu entorno a testemunhar a imensa poluição que afeta o
local e para que a siderúrgica possa utilizar os bens históricos locais, sem
qualquer restrição. Porque quem por ventura estudar a história verdadeira de
João Monlevade, in loco, como foi o meu caso, invariavelmente vai chegar
rapidinho até o edifício da Companhia Nacional de Forja e Estaleiros e, então,
também vai querer visitá-lo, abri-lo ao turismo e preservá-lo. Tudo o que a
Arcelormittal não quer porque representa custo para a empresa, mesmo que
ínfimo, se comparado à sua lucratividade.