

Logo na virada para o segundo quartel do sec. XIX , o ouro
de aluvião, aquele minerado artesanalmente
na superfície solo, nas bancadas de sedimentos, nas encostas dos morros ou mesmo aquele extraído dos veios
das galerias argilosas das encardideiras, já apresentava vertiginosa queda na produção há
algum tempo. Era, então, necessário minerar
os filões de ouro formados na rocha dura de quartzito. Mas, como separar o ouro da rocha dura? Com um
incrível esforço para a adoção de novas tecnologias jamais visto nas Minas. Concedido pelo Barão de Eschwege, o engenho
homônimo prometia processar o quartzito aurífero, empregando força hidráulica para o
funcionamento de pesados trituradores de ferro a fim de esmagar a rocha, para,
então, se proceder à lavagem do metal precioso . Faltava apenas quem os
produzisse em escala industrial, pois
cada unidade do Engenho de Eschwege, contava com uma fileira de cerca de uma
dezena deles que, em razão do desgaste provocado pelo trabalho contínuo de
trituração da rocha dura, ainda necessitariam ser substituídos a cada 90 dias. As companhias mineradoras inglesas que se
fundavam às dezenas por toda a Minas Gerais demandariam pela produção anual de
centenas de trituradores de ferro, pesando 80 quilos cada um.
Àquela altura, Monlevade, jovem engenheiro francês, formado
em mineralogia e metalurgia pela Escola Politécnica de Paris, já se encontrava
a percorrer e a estudar as jazidas minerais de Minas Gerais há quase uma
década. Inclusive, tendo instalado
fundições de ferro em Sabará e Caeté, onde experimentara grande dificuldade
diante da ausência de matas abundantes para o fabrico do carvão, insumo
indispensável à metalurgia. Em Sabará, fôra pioneiro ao realizar a primeira
corrida brasileira de ferro gusa, na Fazenda da Barra do Rio Preto, onde
fundira bastante ferro com que fizera muitas bigornas, aguilhões (eixos),
almofarizes, tambores, vasos, etc . Não
existia, portanto, em Minas outra pessoa que, por sua formação, experiência metalúrgica
local, conhecimento científico sobre a imensa riqueza ferrífera do subsolo
mineiro e espírito aventureiro, pudesse topar aquela empreitada. Foi o homem certo na hora certa.
O único senão era que
as empreitadas assumidas por Monlevade
naquele momento, jamais haviam sido tentadas até então e para o óbvio eram
encaradas como, virtualmente,
impossíveis de serem realizadas naquela sociedade barroca, escravocrata,
conservadora e desiludida com o declínio da Ciclo do Ouro . Como estabelecer na
Minas Gerais do sec. XIX uma pioneira indústria capaz de produzir em escala os
trituradores de ferro e de transportá-los por grandes distâncias até as
diversas Minas de Ouro? O primeiro passo também
seria outro feito, até então, julgado como de impossível realização, uma verdadeira epopéia: importar da Inglaterra para a alfândega do Rio
de Janeiro e de lá transportar para o coração da Serra do Espinhaço algo jamais visto no Brasil, o Martelo de
Forja a Vapor de Monlevade, seguramente, a primeira máquina a vapor a ser
empregada em método industrial do Brasil, cujo apenas um dos malhos pesava
1.200 quilos de peso, numa época em que não existiam ferrovias, estradas
minimamente carroçáveis e as cargas eram conduzidas nos lombos das mulas em
vias que, em muitas da vezes, passava apenas um animal por vez.
E Monlevade inicia sua empreitada já, de pronto, vencendo o
impossível. Em 1828, chega a São Miguel
do Piracicaba uma inédita e intrépida expedição que, iniciada a bordo de um
barco a vela de dois mastros, escoltado por duas embarcações de guerra a fim de
dissuadir a ação de piratas, havia zarpado do Rio de Janeiro, em setembro de
1827, levando a Martelo de Forja a Vapor e todos os outros equipamentos
industriais que equipariam sua Fábrica de Ferro, rumo a foz do Rio Doce, onde
em Regência, no Espírito Santo, o total de 7.500 quilos de carga foi
distribuído entre 12 imensas canoas militares cuja a força motriz seriam os
braços e as pernas de mais de uma centena de índios Botocudos que, em 7 meses
de exaustiva e arriscada viagem rio acima, ultrapassando todas as cachoeiras,
corredeiras, obstáculos e perigos da selva tropical, entregaram a preciosa
encomenda a salvo, sem nenhuma perda para a maquinaria.
A partir daí, o Martelo de Forja a Vapor e demais
equipamentos funcionariam,
incessantemente, por 50 anos, fazendo da Fábrica de Ferro de Monlevade a mais
importante do Brasil Imperial e a principal fornecedora de artefatos de ferro
para a última fase do ciclo da mineração do ouro em Minas Gerais, que se deu
mediante a implantação de companhias de mineração Inglesas, produzindo em
escala para elas não apenas os tão demandados trituradores de ferro, como
também tantas outras ferramentas utilizadas na mineração e no cotidiano da
província, além de peças muito maiores, algumas com mais de 900 quilos de peso,
as quais fazia transportar em carretões de 4 rodas, que também os fabricava,
puxados por várias juntas de bois, através de uma vasta rede de estradas
carroçáveis que mantinha, dotadas de pontes e pousos, até seus variados
clientes, alguns a mais de uma centena de quilômetros de distância de sua
fábrica, como a Companhia do Morro Velho, em Nova Lima.
Os registros históricos revelam que não há exagero algum em
afirmar que antes de João Antônio de Monlevade, era considerado impossível transportar
do Rio de Janeiro para as terras altas de Minas Gerais uma carga de 7.500
quilos de peso de equipamentos industriais, inclusa a Máquina a Vapor. Também
não é exagero dizer que antes de Monlevade era considerado impossível
estabelecer no coração da Minas Gerais carola, conservadora e escravocrata do
sec. XIX uma indústria moderna, apesar
da mão-de-obra cativa, capaz de atender em escala a grande demanda por artefatos
de ferro que se impunha pela florescente mineração mecanizada do ouro que se
iniciava, resolvendo também a questão nevrálgica da produção em escala do
indispensável carvão vegetal . A Fazenda Monlevade produzia muitas toneladas
diárias de carvão. Ainda não seria exagero dizer que antes de Monlevade era
considerado impossível de se produzir no Brasil peças de ferro de mais de 900
quilos de peso e transportá-las por estradas carroçáveis a paradeiros,
relativamente, distantes, como a Mina de
Morro Velho, em Nova Lima. Em outras palavras, antes de Monlevade , tudo era
impossível! Mas tudo o quê? Tudo o que é fundamental para a formação da
identidade monlevadense e para a necessária revisita que todo monlevadense deve
fazer junto à lição histórica de
modernidade deixada por João Antônio de Monlevade,
traduzida sempre pela
imprescindibilidade do emprego da ciência, da inovação e da tecnologia para se realizar o impossível. Foi o advento da máquina a vapor
que inaugurou a Era Moderna e ter no Município um exemplar desta revolucionária
tecnologia e algo muito especial.
O Martelo de Forja a
Vapor de Monlevade representava a tecnologia de ponta existente na época em
matéria de metalurgia. Além de baratearem em 50% o custo da produção das forjas,
a inovação representada pelo martelo vapor possibilitou a produção em escala de
peças de ferro cada vez maiores, de peso limitado apenas aos tamanhos dos
próprios martelos que aumentaram consideravelmente ao longo dos tempos. Monlevade é sinônimo do emprego da ciência e
da tecnologia para se realizar o impossível!
Hoje, o Martelo de Forja de Monlevade (fotos) e demais equipamentos
chegados na expedição de 1828 integram o acervo do museu fechado e destelhado
mantido pela siderúrgica Arcelormittal, cujas outras peças de madeira do acervo
estão se perdendo pela ação das intempéries, tendo já parte de uma das máquinas
de Monlevade - um engenho hidráulico de pilar borras de ferro – desabado em
decorrência das ultimas chuvas.