terça-feira, 21 de abril de 2020

E se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam suas impressões sobre Minas Gerais?



21 de abril de 1792, dia em que foi executada da pena de morte por enforcamento imposta a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da Conjuração Mineira. Tiradentes foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça salgada para ser exibida ao público de Vila Rica. Seu corpo foi desmembrado em quatro partes e exposto pelos caminhos de Minas para o mesmo fim. A casa em que vivia foi arrasada, o terreno, salgado para que nada mais ali nascesse e seus filhos e netos foram declarados infames, por conspirar contra a Coroa Portuguesa, sonhando com uma Minas Gerais livre das amarras da metrópole e, principalmente, livre da pesada carga tributária incidente sobre a mineração do ouro, em função da qual, além do pagamento dos chamados quintos dos infernos, ou seja, 20% sobre a produção bruta de ouro, também era cobrada a Derrama, isto é, 100 arrobas de ouro puro que, anualmente, toda a Minas Gerais deveria pagar à rainha, independentemente, do volume de produção ou de qualquer outro fator, num processo de execução fiscal violento, repleto de arrestos, sequestros de bens, expropriações e muitos abusos contra os mineiros. 
Pois bem, passados 228 anos de seu enforcamento, pergunto, neste 21 de abril: e se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam as impressões que o Mártir da Inconfidência Mineira e Patrono Cívico do Brasil teria sobre a mineração em sua terra, Minas Gerais?
Ao desembarcar na Minas Gerais contemporânea, Tiradentes, certamente, tomaria seu primeiro susto ao se deparar com o fato de que o mineiro não poder mais minerar. O Inconfidente olharia para todas aquelas tão famosas Minas de Ouro, pelas quais deu a vida, e veria a grande maioria delas inativas e inexploradas sob a falsa alegação de esgotamento das mesmas. O “engraçado” é que o ouro acabou apenas para o mineiro. Para as grandes mineradoras, muitas delas de capital inglês, australiano ou sul-africano, a mineração do ouro segue a passos largos. Tiradentes buscaria, então, descobrir o que aconteceu e poderia ver que, hoje em Minas, se o mineiro vai ao aluvião e, artesanalmente, no uso de uma bateia, apura alguma quantidade de ouro, cujo grama atualmente vale R$ 289,00, ele é, imediatamente, preso pela Polícia Ambiental. Dois gramas de ouro por dia são R$ 578,00. Dez dias trabalhados, portanto, rendem R$ 5.780,00, nada mal em tempos de crise e desemprego.
Na época de Tiradentes, quando vivíamos sob o “jugo” português, o mineiro que descobrisse uma jazida de ouro passava a deter o direito de lavra, sendo-lhe permitido explorá-la. Hoje, tudo é oligopólio das grandes mineradoras, num sistema de exploração mineral injusto que, simplesmente, proíbe o mineiro de minerar, privilegiando apenas o grande capital e empresas multinacionais. De proprietário das Minas, o mineiro passou a participar da mineração apenas como empregado das grandes mineradoras. Nesta situação, certamente, Tiradentes seria acometido por uma saudadezinha do “jugo” português e ponderaria: "será que fiz certo ao conspirar contra a rainha?"
Um segundo grande choque teria Tiradentes ao descobrir, então, o que acontece com a mineração do ferro. Veria que, a exemplo do que ocorre com o ouro, na mineração do ferro o mineiro também não é mais dono das Minas, participa da atividade minerária apenas como empregado das grandes mineradoras, num contexto de cada vez menos postos de trabalho. O Conjurado, alferes da Cavalaria, viajante que era, passaria por Mariana, Brumadinho e conheceria o morticínio e toda a destruição que o atual modelo minerário vem causando a Minas Gerais. Passaria por Barão de Cocais, pelo Socorro, Ouro Preto, por Itabira, pelo Itabiruçu, e veria nos olhos do mineiro o medo e pavor da mineração, o temor de ter a vida arrasada por um vagalhão de lama, oriundo de rompimento de barragem de rejeito de minério,o medo de morrer dentro de sua própria casa. “Nem mesmo da Derrama, nós mineiros tínhamos tanto medo, pois nem ela produzia morticínios”, concluiria o Herói da Inconfidência.
Provavelmente, após presenciar a lamentável situação em que, atualmente, se encontra Minas Gerais, Tiradentes, sendo carismático e tão politizado como era, mesmo que atônito, logo procuraria algum mineiro com quem pudesse iniciar uma conjuração contra tal perturbador estado de coisas e, certamente, levaria mais um grande susto. Depois de uma conversa, reconheceria:“o mineiro contemporâneo acredita que é caipira, se despolitizou”.  Logo Minas, que foi fundada e estabelecida em meio a centenas núcleos mineradores, eminentemente, urbanos, de arquitetura sofisticada e ordenada, povoados por uma sociedade, igualmente, urbana, complexa, sincrética, politizada, cívica e muito inclinada a sedições, da qual o Barroco é o Rococó são a maior e mais sublime expressão de arte e produto direto desta própria urbanidade, agora, em 2020, se tornara uma terra, fortemente, inclinada ao caipirismo.
Tiradentes, então, abarcado por sua inquietude característica, buscaria compreender tal fenômeno e chegaria à conclusão de que o mineiro contemporâneo não se tornara um caipira por acaso. Tiradentes observaria que é a mídia, principalmente, a televisão que, propositalmente, vem vestindo o estereótipo de caipira no mineiro, a ponto do mineiro, atualmente, acreditar que é um caipira, de fato. E a razão disso tudo é muito simples: caipira não contesta as atuais convenções injustas da mineração, não faz política, não defende as liberdades, não participa de conjurações e também não minera. Trata-se de um processo de alienação cultural. É também por isso que o mineiro se encontra hoje proibido de minerar em Minas Gerais e nem se dá conta disso. A mídia alienou o mineiro de sua cultura minerária.
E, finalmente, depois de tantos sustos e decepções e já com o espírito um tanto desconsertado, o alferes Joaquim José da Silva Xavier não teria outra opção ao não ser suplicar: "pra mim chega, levem-me de volta para a forca, não sacrifiquei a minha vida para isto, prefiro o “jugo” português!  

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