Para se compreender a
causa mediata da Catástrofe da Samarco, ocorrida em Mariana, estendendo-se a
jusante por toda a calha do Rio Doce, é preciso voltar a 1997, ano de
privatização da mineradora Vale.
Antes de
sua privatização, a Vale do Rio Doce detinha o monopólio da exploração do
minério de ferro no Brasil, dentro de uma estratégia de defesa dos interesses
nacionais, iniciada ainda na era Vargas, que se justificava, exatamente, pelo
fato de a Vale se caracterizar como uma estatal. Significa dizer, que, até
então, o monopólio da produção do ferro concedido à Vale se justificava apenas
pelo fato dela ser uma empresa de propriedade do Estado Brasileiro.Tratava-se
de uma política de Estado, voltada para um dos setores mais estratégicos da
economia.
Em 97, a lucrativa Vale do Rio
Doce foi submetida a um duvidoso procedimento de privatização pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso. Tão duvidoso que o monopólio, até então,
próprio de uma empresa controlada pelo Estado, fora mantido, apesar de privatizada.
Assim, do alto do monopólio da exploração das maiores e mais ricas jazidas de
ferro do mundo, além de portos, ferrovias, etc, e bem longe do controle
estatal, a Vale se viu livre para fazer o que bem lhe convinha. Fecha a mina
que quer, transfere funcionários de uma para a outro, pinta o sete.
Atualmente,
em Minas Gerais,
são raríssimas as médias ou pequenas mineradoras, seja na exploração do ferro
ou do ouro. Se a mina não é da Vale, é de outra grande mineradora, geralmente,
uma multinacional canadense, australiana ou inglesa.
Todo
grande monopólio econômico acaba por adquirir ânimo próprio, transformando-se
numa imensa roda-viva que passa por cima de tudo e de todos, rumo a
expandir-se, sempre com vistas à majoração de seus lucros, tal qual a tsunami de
lama que varreu Bento Rodrigues e o Rio Doce.
Há alguns
anos, fruindo das prerrogativas de seu monopólio, Vale se uniu à sua sócia na
Samarco, a australiana BHP/Biliton e à anglo-australiana, Rio Tinto, as três
maiores produtoras de minério de ferro do mundo, para juntas, inundarem os
mercados com a matéria-prima de produção do aço, o principal insumo do mundo
capitalista. O objetivo era e ainda é quebrar a médias mineradoras, sobretudos,
as da China, grande consumidora de ferro, onde o modelo minerário comporta
médias mineradoras.
Com isso,
a tonelada do minério de ferro foi de 190 dólares, em janeiro de 2011, para 35,
recentemente. A crise foi geral. Inúmeras foram as demissões nas minas de
ferro. O sindicato de Itabira, berço da Vale do Rio Doce, abriu faixa na praça,
estampada com os dizeres “Funcionário da Vale aumenta a produção e é demitido”.
Houve expressiva queda da arrecadação da CFEM (Compensação Financeira pela
Exploração Mineral), levando os municípios mineradores a graves crises
financeiras com impactos na saúde, educação, etc. Minas jamais enviou tanta
quantidade de ferro ao exterior a preços tão baixos quanto nos 3 anos que
precederam o Desastre de Mariana.
E é deste
contexto monopolista de superprodução de minério de ferro, a preço de banana,
que nasce a Tragédia de Mariana.
Como dito
acima, para quebrar as médias mineradoras, Vale & Cia aumentaram
sobremaneira a produção do minério. Com isso, o preço do minério foi ao chão.
Grande produção de minério também produz grande volume de rejeito. Como o baixo
preço do ferro não justifica novos investimentos, a Samarco não construiu uma
nova barragem para receber o rejeito decorrente desta nova realidade de
superprodução de minério e foi depositando tudo no Fundão. Neste sentido, o
nome da barragem rompida é até muito sugestivo: Ô..., chefe! Tá tudo cheio!
Onde é que eu deposito isso? – Joga lá no Fundão, uai!
A
Barragem do Fundão foi enchendo, foi enchendo... O extremo poder da Vale cala a
todos e enquadra a fiscalização. A barragem acabou estourando por não comportar
tanto rejeito. Está aí o resultado do modelo minerário monopolista deixado pela
privatização da Vale.
E se o
mineiro tirar um ouro ali no aluvião, ele é preso.