domingo, 20 de abril de 2014

Os Royalties da Mineração na Contra-Conjuração Mineira Contemporânea

222° aniversário da morte de Tradentes.

Assim que debelado o levante popular que ficou registrado na história como A Sedição de Vila Rica ou Revolta de Felipe dos Santos, que se contrapôs à instalação das Casas de Fundição e, consequentemente, à cobrança do Quinto (20% sobre a produção bruta do ouro), o então governador de Minas assinalou: 

 “A terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo e amotinada lá por dentro... é como no inferno.”(Conde de Assumar, 1720)

Os registros históricos demonstram que desde os primórdios, os mineiros sempre se colocaram em imediata prontidão na defesa dos interesses de Minas Gerais, que sempre se traduziram, fundamentalmente, na mineração. Foi assim até mesmo com a própria fundação do estado que se deu como conseqüência de um conflito insuflado pela insatisfação dos primeiros mineiros que não aceitaram o intento bandeirante de exigirem, exclusivamente, para si a distribuição e o controle das, então, recém descobertas Minas de Ouro - a Guerra dos Emboabas, 1707 a 1709.
E isso se repetiria em inúmeros episódios que se seguiram pela rica e densa Historiografia Mineira, todos eles envolvendo, direta ou indiretamente, a defesa do interesse dos mineiros no proveito e na exploração dos recursos minerais de seu subsolo. Foi assim nos levantes da Vila do Carmo (atual Mariana), em 1713; nos de Sabará, Vila Nova da Rainha (atual Caeté), Vila Rica (atual Ouro Preto) e, novamente, Vila do Carmo, em 1715; nos motins de Catas Altas, entre 1717 e 1718; nos motins de Pitangui, entre 1717 e 1720; na já mencionada Sedição de Vila Rica, em 1720; na Sedição do São Francisco, em 1736 e nos levantes em Campanha do Rio Verde, em 1746, além de vários outros. E isso só para citar os ocorridos na primeira metade do séc. XVIII, sendo o mais famoso deles a Conjuração Mineira, que, em 1789, pretendia libertar as Minas do domínio exploratório português.   
Mas, se durante os tempos do Brasil Colônia/Império Minas foi cenário de uma série de levantes mineradores, a partir da proclamação da República, o estado passou ao reverso de figurar, como vítima de uma perversa e velada trama que ainda alcança e reverbera nos dias atuais. Comparativamente, se o movimento que buscou libertar Minas levou, no passado, o nome de Conjuração Mineira, o que as Gerais venciam hoje não pode ser definido senão como uma verdadeira Contra-Conjuração Mineira Contemporânea, que se consuma e se arrasta há mais de 100 anos.
No alvorecer do século XX, os ideais que inspiravam a recém proclamada República também conduziam o país no sentido da edificação de um Brasil moderno, capitalista e industrial. A elite dirigente nacional, influenciada por fortes interesses externos, compreendera que não seria possível se construir uma nação, materialmente, moderna, feita para o automóvel, por máquinas e arranha-céus, cortada por ferrovias, rodovias, linhas elétricas, telegráficas e telefônicas, e interligada por portos, pontes, elevados, viadutos e túneis, sem se controlar o fornecimento da matéria-prima necessária à produção do principal insumo do mundo capitalista moderno: o aço.
Em 1908, a Inglaterra já havia iniciado a construção da ferrovia Vitória/Minas, a fim de viabilizar a exportação do minério das Gerais, quando o então presidente os Estados Unidos, Theodore Roosevelt, promoveu, em Estocolmo, um congresso mundial destinado a discutir os usos industriais e a administração dos recursos naturais do globo: a pauta principal foi a apresentação, aos mercados, das vastas e riquíssimas jazidas de minério de ferro de Minas Gerais.
Assim, a demanda sobre as Minas estava posta e, em se tratando das Gerais, esbarrava numa questão geo-política fundamental: como controlar todo aquele minério de ferro, sem, contudo, despertar a histórica natureza rebelde dos mineiros, principalmente, considerando que em Minas, o minério de ferro e o ouro são indissociáveis; que o Quadrilátero Ferrífero é, necessariamente, o Quadrilátero Aurífero e que, portanto, grande parte de todo aquele minério de ferro ocorre em meio às antigas Minas de Ouro, como é o caso do Gongo Soco, do Pico do Cauê, de Brucutu e etc? A solução foi, aparentemente, simples: era necessário descontextualizar a mineração, fazer o mineiro se afastar das Minas e romper os laços identitários com a mineração.
Era preciso estrangular tudo aquilo que fosse relativo ao berço e à cultura da mineração das Minas de Ouro. Era preciso silenciar a capital mineradora e desconstruir a forte identidade do mineiro com a mineração.
E assim se fez... Para impelir o mineiro a se afastar das Minas, primeiro era preciso, literalmente, esvaziar a capital mineradora das Gerais: Ouro Preto. “Ouro Preto é muito rebelde”, murmuravam... “Para se ter uma ideia, a sede do governo é mantida no Palácio dos Governadores, uma fortaleza construída para proteger o governador da maior ameaça de Ouro Preto: o povo ouropretano” exemplificavam...“Para controlar o minério de Minas, antes de tudo, será preciso silenciar Ouro Preto”, tramavam ...
Assim, com o pretexto de que as Minas Gerais moderna necessitava de uma capital que apresentasse uma topografia, suficientemente, plana para a instalação de linhas de bonde, em 1897, a sede administrativa do estado foi transferida de Ouro Preto para Belo Horizonte, por ordem do então governador de Minas, o carioca Cesário Alvim, nomeado, provisoriamente pelo governo republicano. Algumas décadas depois, Belo Horizonte já não contava com mais nenhuma linha de bonde e Ouro Preto somente sairia do ostracismo absoluto, em 1933, quando Getúlio Vargas a elevou à condição de Cidade Monumento Nacional. Minas, então, foi afastada de sua matriz identitária mineradora e levada para dentro do Curral Del Rey.   
Mas, não foi o bastante, era preciso mais. 
Na nebulosa madrugada de 28 de maio de 1968, uma das maiores bibliotecas da América Latina ardeu em chamas no Caraça e as atividades do colégio foram encerradas. Minas perdeu seu mais importante e tradicional centro irradiador de formação filosófica, e ainda segue acreditando que o caso se tratou de incêndio acidental. Em pleno ano de 68, o mais conturbado do Regime Militar, da edição do AI-5, da Marcha dos 100 Mil, de fechamento do Congresso, o Caraça foi incendiado, tal qual ocorrera com a Biblioteca de Alexandria, mil e trezentos anos antes, e o mineiro ainda acredita que tudo foi apenas obra do acaso.
E não parou por aí... Em, 02 de setembro de 1973, o objeto de arte, talvez, mais valioso, sob a perspectiva cultural, identitária e histórica da Civilização Mineradora, a custódia do Santíssimo Sacramento, fundida em ouro e prata em Portugal, especialmente, para a celebração do Triunfo Eucarístico (Vila Rica, 1733), a maior festa barroca já ocorrida nas Américas e origem do carnaval brasileiro, foi furtado do museu da Matriz de N. S. do Pilar de Ouro Preto e a Ditadura Militar não só proibiu a divulgação do ocorrido na imprensa, como também prendeu e torturou todos aqueles que se levantaram contra este que foi um dos mais infames atentados contra a cultura de Minas Gerais.
E é claro que uma tarefa de tal envergadura não poderia deixar de contar com uma forte participação da mídia, a quem coube o papel de retirar o mineiro das Minas, até mesmo dentro de seu próprio imaginário, atribuindo-lhe um estereótipo nacional conveniente ao escopo desejado. Ora, para se retirar o mineiro das Minas seria necessário recolocá-lo num outro local. O mais conveniente foi o curral. Assim, mediante massiva doutrinação por parte da grande mídia brasileira, o mineiro deixou de ser poeta e literato, de ter fidalguia e elegância, de cultivar as letras e artes, como bem definiu Drummond, para ser levado a enxergar em si a figura vazia de um caipira, de um jeca-tatu e de um matuto, a ponto de se esquecer de sua origem urbana, de que Ouro Preto no auge do Ciclo do Ouro, no sec. XVIII, foi uma metrópole ordenada de mais 150 mil habitantes; de que em 1745, Mariana, a primeira capital de Minas, teve seu traçado urbano re-planejado para receber a sede do primeiro Bispado Mineiro, revelando, mais uma vez a predisposição mineira para a urbanidade. Que o Barroco e o Rococó mineiros representam, em todas as suas variadas facetas, o suprassumo das artes nas Américas e expressão máxima de uma sociedade, altamente, complexa e, eminentemente, urbana! Urbana! Urbana! Minas floresce e se estabelece através de numa rede de centenas de núcleos mineradores urbanos, cujo eixo principal é a Estrada Real.   
E ainda nesta trama, a riquíssima arte mineira também sofreria em demasia. Além dos recorrentes extravios e descasos que apunhalam o mais sublime conjunto homogêneo de arte Barroca do mundo, também seria necessário escondê-lo. No Museu do Louvre em Paris qualquer visitante pode fotografar a Monalisa o quanto quiser. Em Minas, o esplendor do interior das Igrejas Barrocas não pode ser fotografado. É proibido fazer imagens das obras de Mestre Aleijadinho e tantos outros. É preciso manter tudo escondido. Vai que o mineiro se depara, por exemplo, como o ilusionismo do forro da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, elaborado e executado por Mestre Athayde, como uma espécie de réplica perfeita e tridimensional do paraíso celestial, e compreende que arte em tamanha qualidade não pode ser produto de caipiras. 
Tudo com o propósito deliberado de atingir as raízes e a identidade mineradora, fazendo com que o mineiro caia numa espécie de amnésia identitária que o tem impossibilitado de enxergar que Minas vive um segundo ciclo da mineração, que em valores monetários nominais, representa uma riqueza bruta muito maior do que foi o ouro e que tem rendido ao Povo Mineiro compensações aviltantes, insuficientes e injustas por meio do pagamento dos chamados royalties da mineração, situação esta que, em outros tempos, bastaria para a deflagração de uma segunda Inconfidência. Mas, que hoje, enquanto o mineiro permanece no curral, não surte efeito algum em Minas.
Comparativamente, enquanto os royalties do petróleo chegam a 10% sobre o faturamento bruto das petroleiras, os da mineração são de aviltantes de 2% sobre o lucro. Na extração do óleo, se não houver vazamento, não há que se falar em dano ambiental. Já com o minério de ferro, inevitavelmente, vão ficando as crateras imensas, as barragens de rejeito, rios contaminados, etc.
Quando éramos colônia, pagávamos o quinto para a Coroa, ou seja, 20% sobre toda a produção do rico metal.  Agora que somos "livres" vão levando todo o nosso minério de ferro e nos deixam a apenas 2 ou 3% sobre o lucro, além do imenso dano ambiental. É urgente a adoção de uma política de equiparação de royalties do petróleo aos da mineração. Minas não pode mais se sacrificar dessa forma, bancando a viabilidade das contas externas nacionais com as exportações de minério de ferro, como vem ocorrendo há 70 anos, sem receber o que é justo em troca. 
Sai do curral e volta para as Minas, mineiro, enquanto é tempo. O minério não dá duas vezes e abaixo do curral a situação, certamente, não será nada auspiciosa.     

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