Na primeira metade do século XVIII, durante o apogeu da extração aurífera, o processo colonizador nas Minas foi marcado por constantes conflitos entre os colonos e as autoridades metropolitanas, por disputas de interesses entre os próprios colonos e também entre as autoridades. Diante dessa realidade a postura da Coroa portuguesa, não se caracterizou apenas pela adoção de um intenso controle repressivo com vistas à submissão dos colonos. Dada a importância da região mineradora e o conseqüente receio de se perder o controle sobre as tumultuosas Minas, a Coroa tratou de estabelecer uma prática de submissão ligada à prudência para a resolução dos conflitos e das sublevações, pois era fundamental a quietação dos povos, para que as riquezas da Capitania pudessem chegar aos cofres do rei, da forma mais rápida e ordenada possíveis.
Neste contexto, introduziu-se na região Minas uma estratégia de controle político-social, baseada na promoção de laços de identificação entre colonizadores e colonizados, apresentando aos súditos coloniais os códigos culturais da metrópole. O Barroco, movimento cultural destinado a manter o poder temporal do Rei, emoldurou o suntuoso cenário para as fortes manifestações culturais que experimentariam as Minas Gerais. E estas foram as mais variadas possíveis. No entanto, em maio de 1733, Vila Rica (atual Outro Preto) foi palco da maior e mais expressiva festividade barroca do Brasil Colonial: O Triunfo Eucarístico, considerado por muitos historiadores como a origem do Carnaval Brasileiro.
A ocasião era de inauguração da Igreja Matriz de N. S. do Pilar. Toda Vila Rica se preparou para a festa. O Senado da Câmara determinou, sob pena de multa, que os moradores mantivessem luminárias em suas fachadas, durante as noites de festividades. A comemoração preliminar começou vários dias antes. Desde o final de abril dois grupos de pessoas ricamente vestidas, com bandeiras de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora do Pilar, tendo na outra face a custódia do Santíssimo Sacramento, percorriam as ruas da cidade e arredores, anunciando ao povo a futura solenidade. No dia marcado para a procissão, a cidade amanheceu, ricamente, ornamentada. No percurso entre as duas igrejas, as ruas foram atapetadas com flores e folhagens. Como homenagem dos moradores, nas janelas foram colocadas sedas e damascos, em meio a adornos de ouro e prata. Nas ruas, cinco arcos ornamentais, um deles de cera, e um altar para descanso do Santíssimo. Antes da saída do cortejo foi celebrada uma missa, durante a qual o Divino Sacramento esteve colocado em um braço de Nossa Senhora, em lugar do Menino Jesus. Deram início à procissão trinta e dois cavaleiros vestidos, militarmente, como cristãos e mouros, com dois carros de músicos instrumentistas e vocalistas. Logo em seguida, romeiros ricamente trajados, além de músicos com alegorias diversas. Seguiam-se quatro figuras a cavalo, representando os ventos dos quatro pontos cardeais. Todas, profusamente, revestidas com diamantes, ouro, rendas, sedas e plumas. Seguia-se um personagem, representando Ouro Preto, bairro de Vila Rica onde estava situada a nova Matriz do Pilar, para onde se dirigia o cortejo. Ele trajava vestes de tecidos finos, ornamentados com ouro e diamantes. O cavalo que montava era igualmente ornamentado com ouro, prata, esmeraldas e veludo. Vinham depois as esplendorosas figuras representando os corpos celestes: Lua, Marte, Mercúrio, Sol, Júpiter, Vênus e Saturno, todas com deslumbrantes indumentárias e fartamente escoltados. A seguir aparecia a figura que representava a Igreja Matriz do Pilar, com extraordinários ornamentos, portando um estandarte no qual estava, de um lado, a inscrição "Nossa Senhora do Pilar", e do outro a custódia eucarística. Após essas figuras, vinham as irmandades, conduzindo andores com seus santos padroeiros e cruzes de prata. Entre essas confrarias estavam as do Santíssimo Sacramento, da Senhora do Rosário, de Santo Antonio, de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora do Pilar. Todos os participantes portavam trajes esplendorosos com acabamento em veludo e sedas, ouro, prata e pedrarias. Fechando a procissão, o Santíssimo Sacramento era conduzido pelo vigário da Matriz do Pilar, debaixo de um pálio de tela carmesim com ramos e franjas de ouro, sustentado por seis varas de prata. Logo atrás o Conde de Galvêas, Governador de Minas, com autoridades civis e militares da Capitania e de outras vilas mineradoras. Enfim, com toda a população de Vila Rica e arredores presente, foi uma grande apoteose de sinos tocando, bandas musicais, fogos e cânticos em homenagem ao Divino Sacramento. Os festejos prolongaram-se por três dias, com missas solenes, cavalhadas, corrida de touros e fogos de artifício. Nenhum outro acontecimento celebrado em Minas Gerais ou no Brasil Colonial teve tal esplendor, requinte de luxo e pompa.
"Triunfo Eucarístico de 1733, o vigário Felix Simões proclama para toda a cristandade: Eucharisthia in Translatione victrix , a Eucaristia vitoriosa na trasladação. Todo um reboliço de arte e política na religião popular ... ouro e música, fantasias e foguetes, teatros e serenatas, banquetes e danças, janelas com rendas e calçadas floridas...germina, nas minas gerais de Vila Rica, a semente cultural de um novo mundo, em sua mais lídima brasilidade." (Pe. José Simões).
Mas não foi apenas a manifestação do controle do poder real sobre a colônia. Foi também a celebração de um estado coletivo de euforia determinado pelo apogeu da aventura mineradora, nas Gerais, em que o ouro rompia as barreiras de uma sociedade, fortemente, estratificada, e pelo menos naquela ocasião, unia a todos, desde o escravo até o aristocrata, numa grande festa popular como ocorre até os dias atuais com o nosso Carnaval .
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