Pimenta no olho é refresco: um exemplo do descaso pela comunidade monlevadense
Fabiana de Menezes Soares*
Há cerca de dois meses acompanho a luta da vizinhança na Rua Ricardo Leite, conhecida conhecida como Rua da Prefeitura. O motivo é sentimental, cresci ali, meus pais lá vivem, os médicos que frequento atendem por lá. A gente sai de Monlevade e Monlevade não sai da gente. Meus pais, Vicente Soares e Guiomar de Menezes Soares, hoje aposentados, prestaram e ainda servem à comunidade monlevandense.
O lugar, a dois passos da Av Getulio Vargas, ganhou recentemente um restaurante/bar que conta com musica ao vivo em área residencial, com prédios públicos, clínicas de saúde. O comércio existente fecha suas portas no fim do horário comercial.
Nada contra um local para encontrar os amigos, relaxar depois de uma jornada de trabalho, este é exatamente o ponto : depois de aproveitar as pessoas voltam para casa…para descansar. Ocorre que as casas não saem do lugar, ao contrário das pessoas, que depois da diversão querem o sossego. Esta escolha foi tirada, arbitrariamente, dos moradores que agora perdem sua qualidade de vida, têm para dizer o mínimo.
Ninguém quer tentar dormir com uma música alta, pneus cantando, gente falando alto. O direito de propriedade é garantido constitucionalmente e suas limitações levam em conta o bem comum.
Será que os proprietários do estabelecimento, ao elaborar o seu plano de negócios levaram em conta a adequação entre o local e a verdadeira natureza do empreendimento ?
Não obstante o perfil da área, o estabelecimento noturno obteve um alvará para funcionamento como restaurante.
Depois de uma mobilização dos moradores junto ao Ministério Público local, e de uma sequência de boletins de ocorrência por atentado ao sossego público, visto que a Prefeitura ignorou sua competência fiscalizatória, os proprietários do estabelecimento assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, que lhes impõem multa como consequência á violação de direitos.
A finalidade do TAC foi a adequação da atividade comercial à legislação municipal e federal de proteção à qualidade de vida, principalmente àquelas referentes à poluição sonora.
Curiosamente, apesar das louváveis iniciativas de transparência e governo eletrônico do executivo municipal, não é encontrado no site da Prefeitura de João Monlevade nenhuma legislação que disponha sobre o zoneamento urbano daquela área. A adequação entre o lugar e o tipo de comércio existente deve estar presente na motivação do alvará por força de norma constitucional.
Por sua vez, no site da Câmara Municipal, órgão legislativo e de controle dos atos do executivo, não há qualquer menção ao Plano Diretor de João Monlevade, à disciplina do zoneamento urbano que especifica o uso e as atividades no solo urbano.
Onde está a obediência aos princípios de participação popular, transparência, publicidade contidos também no Estatuto da Cidade ?!
Parece que o senso comum de que as cidades do interior têm qualidade de vida melhor mostra-se uma ilusão, pois os cidadãos, vale a pena lembrar, ELEITORES, são entregues à sua própria sorte por aqueles que deveriam zelar pelo bem comum, por força de competências constitucionais e da Lei Orgânica do Município de João Monlevade. Ainda bem que existe Ministério Público.
A sabedoria popular expressa nos ditos populares resume bem a raiz do problema :
« Pimenta nos olhos dos outros é refresco »
* Monlevadense, mestre e doutora, profa da Faculdade de Direito da UFMG onde coordena o Observatório para qualidade da lei que desenvolve metodologias para planejamento legislativo e regulatório.
Entrevista ao Al Jazeera
Há 4 semanas