sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A Ponte Torta no Contexto do Genocídio Velado Brasileiro


Na Guerra do Vietnã, quando a quantidade de soldados estadunidenses vitimados no conflito alcançou o número de 60 mil mortos, a sociedade daquele país norte-americano concluiu que já havia pagado um preço humano muito alto por aquela guerra. 60 mil mortos foram demais, um custo inaceitável em perdas de vidas humanas, segundo os padrões dos EUA. A comoção foi tão profunda que, poucos meses após baterem a marca dos 60 mil mortos, os Estados Unidos se retiraram do conflito, de maneira até muito embaraçosa. 
Há décadas, o Brasil apresenta números anuais de 60 mil homicídios, 50 mil mortos no trânsito e outras dezenas de milhares brasileiros que morrem de outras várias maneiras, em decorrência da ignorância, da exclusão social, da fome, da falta de acesso aos serviços de saúde, de saneamento básico, de abastecimento d’água tratada, etc. Apenas em função da pandemia, em 2020 foram mais 200 mil mortos no Brasil. No Brasil só não se morre de tédio. 
Tornamo-nos um povo violento, matamos e morremos como em nenhum outro país do mundo, é o que demonstram os números e eles não mentem. No entanto, não nos comovemos, não encaramos os fatos, não nos colocamos no lugar do próximo, somos indiferentes diante do morticínio nacional. Fingimos não enxergar o genocídio brasileiro. Por conveniência desumana, não encaramos os fatos, não discutimos a razão de tantos mortos e, pior ainda, não agimos de modo a reverter tal situação. Não damos à vida do próximo o mesmo valor que concedemos às nossas próprias vidas, não somos iguais. Os números revelam que vida humana não vale nada no Brasil. Somos a barbárie, o estado velado de guerra permanente. Produzimos o resultado de um genocídio fascista, mas, no entanto, fingimos e dissimulamos que somos cordiais. 
Há pouco mais de 30 dias, quando 19 pessoas morreram no acidente da Ponte Torta, em João Monlevade, escrevi: “Agora, se o Brasil fosse um país sério onde a vida humana, realmente, tivesse algum valor, as autoridades providenciariam, com urgência, a mudança da amureta da Ponte Torta para outra mais moderna como aquelas que podem ser vistas no traçado já duplicado da rodovia 381 e são capazes de conter o veículo, mesmo os grandes, no leito da pista, impedindo a sua queda, de modo a que nunca mais uma tragédia como aquela pudesse ocorrer novamente na Ponte Torta.” Escrevi também: “ Apesar do número absurdo de vítimas fatais, a tragédia poderia ter sido ainda maior se o ônibus tivesse caído dentro do Rio Piracicaba (lago da Hidrelétrica do Jacuí)...”. Foi o que aconteceu ontem. Um caminhão ocupado por quatro pessoas despencou da Ponte Torta, diretamente, dentro das águas do Rio Piracicaba, submergindo-se completamente. Desta vez, não houve sobreviventes, 3 corpos já foram resgatados das águas turvas do rio e o motorista segue desaparecido. Como sempre, os 19 mortos na tragédia do ônibus não comoveram ninguém, parece que nos acostumamos a morrer em escala. Nada foi feito na Ponte Torta para que algo como aquilo nunca mais acontecesse. Ao contrário, tragédia parecida ocorreu, novamente, ali muito antes do que poderia prever a nossa omissão. Ao que tudo indica, são mais 04 mortos na Ponte Torta. E o que será feito? Nada. Quem será responsabilizado por aquelas mortes? Ninguém. 
Não é possível se obter um resultado diferente, agindo sempre da mesma forma. A vida é o mais básico dos direito, pois, sem ela, não podemos exercer todos os outros direitos. Se pretendemos construir uma nação, integralmente, desenvolvida, em que haja a democratização dos direitos à educação, saúde, cultura, aos serviços básicos, etc, primeiro teremos que garantir o direito à vida. Para isso, temos que encarar os números e concluir: temos que mudar. Após concluirmos pela mudança, temos que agir. E em relação à Ponte Torta, a mudança que se faz urgente é a substituição de sua frágil amureta de cimento que já comprovou por duas vezes, recentemente, a incapacidade de conter veículos pesados sobre a pista da ponte em caso de problema mecânico ou de condução dos mesmos. É regra de segurança: uma ponte que não é capaz de conter veículos pesados sobre sua pista não pode ser aberta ao trafego dos mesmos ou, então, deve passar pelas modificações necessárias para tal. É preciso resgatar a capacidade de comoção do brasileiro.