sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Os 70 Prostíbulos Fundadores de Carneirinhos


 Foto de Carneirinhos e seu entorno. 


Carneirinhos é um bairro e o centro comercial do município de João Monlevade. E não é pouco comércio! Monlevade é cidade-pólo micro-regional.  Assim, é em Carneirinhos e em seu entorno que se encontram instalados a maioria e os principais estabelecimentos comerciais do Município. São milhares de lojas, inúmeros prestadores de múltiplos serviços, escolas, clínicas, escritórios, consultórios, supermercados, restaurantes, hotéis, bancos e muito mais. Contudo, quem observa hoje a pujança do comércio de Carneirinhos não tem ideia dos primeiros estabelecimentos que inauguraram a vocação comercial do bairro.

Segundo a tradição oral, a origem de Carneirinhos remonta ainda aos tempos da Fábrica de Ferro de João Monlevade. Naquela época, a região onde hoje é o bairro era uma pastagem ampla, muito pouco povoada, onde se criavam carneiros, daí seu nome.  É muito possível que Monlevade adquirisse boa parte da lã produzida em Carneirinhos, afinal o inverno local é muito frio e ele se via obrigado por lei a agasalhar 150 escravos. Carneirinhos só vem deixar a condição de pasto a partir da instalação da moderna siderúrgica, em 1935.

A partir da segunda metade da década de trinta, de repente, havia cerca de 6 mil trabalhadores,  a maioria esmagadora deles, homens, construindo a Vila Operária, instalando a Belgo-Mineira e realizando as primeiras corridas de ferro-gusa, etc. Naquela época, todo o comércio local era feito através do ramal ferroviário da Central do Brasil. Tudo, desde remédios, mantimentos, até materiais de construção, combustíveis, etc, chegava a Monlevade no trem. Também não existiam os clubes, as igrejas, eventos culturais, ou outra coisa para se fazer, além de trabalhar.

Assim,  naquela baixada, convenientemente, afastada da Vila Operária, de acesso dificultoso por meio da uma antiga rota de tropeiros que ligava a pioneira Fábrica de Ferro Monlevade à São Gonçalo e à Santa Bárbara,  instalaram-se os primeiros prostíbulos.  E também não eram poucos. Os antigos contam que eram no número subestimado de 70 casas de prostituição. Também contam sobre as cafetinas que mandavam e desmandavam em Carneirinhos e sobre prostitutas por quem muitos eram apaixonados e que exerciam influência,  inclusive, nos altos escalões da extinta Belgo-Mineira. Por isso, é preciso muita cautela ao se falar sobre as prostitutas, porque, em Carneirinhos, elas são fundadoras, apesar de anônimas diante da história oficial.

Talvez, esta origem possa explicar um costume pouco mineiro, mas muito difundido em Carneirinhos que é o das pessoas não se cumprimentarem. Em Carneirinhos, via de regra, as pessoas não se cumprimentam.  Ao contrário, elas fingem que não se viram.  Acredito que tal costume possa estar, diretamente, relacionado com a origem comercial do bairro.  Veja que dicotomia! De um lado o alvorecer da moderna siderúrgica e da Vila Operária, planejada, centro de tudo, ordenada, hierarquizada e de arquitetura neoclássica e de outro, Carneirinhos, mundano, desordenado, caótico e muito freqüentado.  É óbvio que ninguém da Vila Operária gostaria de ser visto, transitando pelas vielas de terra batida de Carneirinhos. As  meretrizes-fundadoras, certamente, também não cumprimentavam eventual cliente com quem, eventualmente, topavam na rua no dia seguinte.  Elas, obviamente, fingiam que não os viam.  E assim,  em função da discrição que o lugar impunha, criou-se o costume de não se cumprimentar em Carneirinhos, hábito que perdura até os dias atuais.

Mas a partir da extinção do ramal ferroviário da Central do Brasil, na década de 1960, Carneirinhos assumiria outro papel na economia local.  30 anos depois de abertos os primeiros prostíbulos, Carneirinhos já se encontrava engajado em atender a várias outras demandas impostas pela Vila Operária, pois também já fornecia à mesma produtos como hortaliças, leite, carne, ovos, etc. Este engajamento possibilitou que Carneirinhos rapidamente substituísse todo aquele comércio que era feito pela ferrovia e foram-se abrindo muitas outras lojas, desta vez, de tecidos, sapatos, roupas, material de construção, mercados, açougues, etc, etc.   O  Município se emancipou.  Asfaltou-se a antiga rota de tropeiro que dava acesso a Carneirinhos, passando a mesma a se chamar Avenida Getúlio Vargas. Instalou-se a  Paróquia e, então, os prostíbulos foram centrifugados para as extremidades do território do Município e hoje povoam apenas a memória dos pioneiros daquela época. De lá, pra cá, Carneirinhos cresceu vertiginosamente.

Hoje, Carneirinhos é o  bairro, comercialmente, mais importante do Município, o mais movimentando e mais agitado,  apesar de ali as pessoas não se cumprimentarem.        

 


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Monlevade desviou o leito de dois ribeirões para dentro de sua Fábrica de Ferro



O potencial hidráulico encontrado no entorno do Solar Monlevade (foto) foi de especial importância para a implantação e para o funcionamento da pioneira Fábrica de Ferro homônima, estabelecida a partir de 1828. 
As águas dos ribeirões locais, além de abastecerem as serventias da Casa Grande e da numerosa escravaria de Monlevade, também irrigavam o amplo pomar existente no entorno dela e até deleitavam a vista dos observadores, já que o próprio Monlevade se orgulhava de ter construído no fundo de seu Solar uma cascata artificial de mais de 50 metros de altura. Contudo, a água representava uma importância ainda maior para Monlevade, já que todo o maquinário de sua Fábrica de Ferro era movido pela força da água, desde o grande martelo hidráulico de 1.200 quilos de peso, até os ventiladores das fornalhas de fundição, o que obrigou o patrono do Município a desviar os leitos de dois ribeirões para dentro de seu estabelecimento metalúrgico. 
O primeiro leito desviado foi o do ribeirão que nasce no alto do que hoje é o Bairro Vila Tanque. Mais limpo e menos caudaloso, o dito ribeirão foi desviado por meio de um rego tirado no traçado que hoje corresponde à Rua Imbé, de onde suas águas saltavam o paredão de pedra para formar uma bela cascata artificial de 54 metros de altura no fundo do Solar Monlevade, onde ela era toda recolhida por um bicame que a distribuía para abastecimento de todas as necessidades da casa, das senzalas e para irrigação do grande pomar. Ainda intramuros, após movimentar um engenho de pilões, um moinho de fubá e um ralador de mandioca, esta água era conduzida até a Fábrica de Ferro para se somar à água de outro ribeirão, num incrível esforço hidráulico. 
O segundo leito desviado foi o do ribeirão que hoje é conhecido pelo nome de Córrego Carneirinhos. Muito mais caudaloso, o leito do Córrego Carneirinhos foi desviado por meio de um bicame aberto pouco antes de sua foz, no Rio Piracicaba, a fim de conduzir suas águas para dentro da Fábrica de Ferro Monlevade, de modo a movimentar uma série de maquinismos, tais como os três martelos hidráulicos de forja, de 75, de 225 e de 1.200 quilos de peso; os ventiladores das seis fornalhas de fundição e os ventiladores dos três fornos de caldeamento das quatro tendas de ferreiro. Esta água ainda movimentava um engenho de serrar madeira e uma máquina de tornear ferro. 
Sobre a utilização da água em seu estabelecimento, João Antônio de Monlevade registrou em 1853:
[...] 
 "Dois ribeirões, com regos já tirados, trazem para a fábrica em tempo de maior seca, muito mais água do que a necessária para o consumo dela, colocada aliás a 112 pés acima do Rio Piracicaba, cujas águas poderiam cobrí-la se fosse necessário. [...] Das montanhas vizinhas desce um córrego, o qual, por meio de um rego, forma a pequena distância e a vista da casa, uma cascata de 180 pes de altura a qual parece obra da natureza . Esta aguada é muito importante dando, mesmo no terreiro, impulso a um engenho de pilões, moinho de fubá a moda européia, ralador de mandioca, ventilador, etc... Esta água, repartida por todas as necessidades da casa, serve também para irrigações, e refrescando o ar, também deleita a vista. [...] Um bicame ou tanque d’água, colocado a trinta palmos acima do fundo do canal e no meio da casa está recebendo a aguada toda do ribeirão, dando força motriz para as duas rodas e o vento necessário por meio de quatro trompas, repartido com canais de braúna por todas as partes."