terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Monlevade: a Meca dos Tropeiros

 

Não houve outro estabelecimento tão bem quisto, afamado e útil para as tropas de toda a região quanto a Fábrica de Ferro de João Monlevade. Ela foi a Meca dos Tropeiros!  Será preciso cunhar a expressão “tão feliz quanto um tropeiro em Monlevade”.

A Fábrica de Ferro Monlevade instalada a partir de 1828 foi por mais de 50 anos a felicidade geral dos tropeiros . Poucos estabelecimentos atraiam tantas tropas quanto ela e os motivos eram os mais variados.  Na fábrica, os tropeiros podiam adquirir os melhores  cravos e as mais duráveis ferraduras, além das ferramentas de ferrar (catálogo anexo). Nela, os tropeiros também podiam ferrar toda uma tropa em pouco tempo. Muitos tropeiros, vindos das mais diversas regiões de Minas Gerais, viviam de revender ferraduras, cravos e vários outros artefatos produzidos na fábrica. Neste sentido, é preciso recordar que do Solar Monlevade partiam para todas as direções seis ramos de estradas carroçáveis.  Praticamente, toda a produção de artefatos menores de ferro forjado, tais como pregos, cravos, enxadas, foices, machados, fechaduras, dobradiças, etc, etc,  era escoada través das tropas.  As tropas também eram atraídas pelas pontes mantidas por Monlevade sobre os rios Santa Bárbara e Piracicaba.  A Fazenda Carvoeira e a Fábrica de Ferro Monlevade ainda possuíam suas próprias tropas. No Relatório de 1853, Monlevade registrou que entre seus escravos existiam “ótimos arrieiros”, que eram aqueles que lidavam com as tropas. Sobre as tropas, Monlevade ainda registrou, expressamente:

“Em fim este lugar outrora inteiramente deserto, está muito freqüentado pelas numerosas tropas carregadas de mantimentos que vão para a mata e saem dela, assim como por outras que tem negócios com a casa, todas se aproveitando das estradas, e no tempo de seca de uma das pontes que franqueei ao público”.


 Certamente, a Fábrica de Ferro Monlevade também deveria exercer especial fascínio sobre os tropeiros que por ela passavam, pois ali, naquele estabelecimento, além de uma integração muito íntima com o tropeirismo regional, os tropeiros ainda podiam observar a curiosa arte do ferro como em nenhum outro lugar. Deveria ser, realmente, fascinante para aqueles homens xucros testemunhar o imenso esforço dos mestres-ferreiros de Monlevade em, por exemplo, forjar um aguilhão incandescente de uma tonelada de peso no martelo hidráulico ou mesmo fazer brotar uma tesoura de uma pequena porção de ferro em brasa, recém tirado do forno. Era o mais perto que se tinha de brincar de Deus, no sentido respeitoso de se criar algo a partir de uma substância intocável que é o ferro em brasa.   Sem dúvida, os tropeiros foram os maiores colaboradores e as maiores testemunhas da obra do metalurgista e minerálogo João Antônio de Monlevade.        


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Tragédia foi dentro da Sesmaria de João Monlevade


 

O trágico acidente que vitimou 19 pessoas, depois que um ônibus despencou da Ponte Torta, na rodovia 381, ocorreu dentro da Sesmaria de João Monlevade.

Ao lado da Fábrica de Ferro fundada a partir de 1828, funcionou a Fazenda Carvoeira de João Monlevade, composta por quatro sesmarias de terra cobertas de mata fechada. Ela produzia pelo menos cinco toneladas diárias de carvão vegetal que eram consumidas pelos diversos fornos da Fábrica de Ferro. Eram duas as carvoarias, uma de cada lado do Rio Piracicaba, cujos acessos se davam por meio de duas pontes lançadas sobre o mesmo. O ônibus, ocupado por quarenta e oito passageiros, oriundo de Mata Grande, nas Alagoas, e com destino a São Paulo capital, despencou, tragicamente, dentro da histórica sesmaria de mata de João Monlevade, na margem esquerda do Rio Piracicaba, ao lado da rota dos tropeiros, e, praticamente, sobre o leito da ferrovia Vitória-Minas. Apesar do número absurdo de vítimas fatais, a tragédia poderia ter sido ainda maior se o ônibus tivesse caído dentro do Rio Piracicaba (lago da Hidrelétrica do Jacuí) ou sobre os vagões de alguma composição da ferrovia Vitória-Minas em movimento ou até mesmo sofrendo uma colisão frontal com o trem.    

Em João Monlevade os sobreviventes puderam contar com uma grande estrutura de resgate e assistência, representada pelo SEVOR (Serviço Voluntário de Resgate), pelo pronto-socorro médico do Hospital Margarida, pelo acolhimento no Albergue Municipal, além da mobilização de doações. Quarenta minutos após o momento do acidente todos os sobreviventes já haviam sido resgatados e encaminhados para o Pronto Socorro do Hospital Margarida.   

Agora, se o Brasil fosse um país sério onde a vida humana, realmente, tivesse algum valor, as autoridades providenciariam, com urgência, a mudança da amureta da Ponte Torta para uma mais moderna como aquelas que podem ser vistas no traçado já duplicado da rodovia 381 e são capazes de conter o veículo, mesmo os grandes, no leito da pista, impedindo a sua queda, de modo a que nunca mais uma tragédia como aquela pudesse ocorrer novamente na Ponte Torta .  É o que acontece nos países sérios, depois de uma tragédia.  A lição que fica é a de respeito às regras de segurança e a necessidade de  se agir com perícia e responsabilidade no trânsito sempre e ainda mais ao se transportar 48 almas. É a pior tragédia da história do Município. 

Em 2020, as tragédias são em âmbito global, nacional, regional e municipal.  

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

O Fim de um Ciclo do Terror e a Primavera que não se Acaba Mais


Primeiramente, há que se reconhecer a imensa maturidade do eleitor monlevadense em conceder a vitória nas urnas ao Partido dos Trabalhadores. Digam o que quiserem os negacionistas, mas foi o PT o partido a vencer as eleições em João Monlevade. O PT! Sinal de mudança de ventos na onda fascista que vive o Brasil. Monlevade é uma cidade sempre muito politizada. E o nome de Dr. Laércio realmente é muito forte. Finalmente, depois de 20 anos, uma pessoa séria é eleita Chefe do Executivo Municipal. Dr Laércio será, ao mesmo tempo, o último e o primeiro prefeito sério a governar o Município, depois de 20 anos. 
Na outra ponta do resultado eleitoral, é possível enxergar claramente o melancólico fim de um verdadeiro ciclo do terror. Um terror que não apenas se relaciona com o resultado terrível de 20 anos de influencia política de Carlos Moreira em João Monlevade, mas principalmente pelo terror que representou para a democracia monlevadense. Tecnicamente, não se pode ter instalada a Democracia num ambiente de manipulação dos meios de comunicação. E foi justamente, valendo-se, durante anos, de descarada e sistemática manipulação de meio de comunicação social, que Carlos Moreira foi eleito prefeito de João Monlevade no ano de 2000. Durante todo o tempo em que esteve na Rádio Cultura, Carlos Moreira deturpou a democracia monlevadense, na medida em que negou ao povo a liberdade de Imprensa. Ele é o precursor das "fake news". Depois de eleito, além do controle político do conteúdo, inclusive, jornalístico da Rádio Cultura, Carlos Moreira passou a adotar também a estratégia do aparelhamento político das instituições para se manter no poder. Nisso ele foi campeão. Foi quando o Município de João Monlevade perdeu os trilhos do desenvolvimento. O desenvolvimento somente pode ser alcançado através do bom funcionamento das instituições, imprensa livre é apenas uma delas. Ao aparelhar as instituições municipais a fim de servirem a seu projeto pessoal de poder, elas deixaram de servir ao povo e o retrocesso se instalou. Assim, Moreira foi reeleito em 2004. Em 2008, ele perdeu as eleições e voltou para a “Rádia”. Já inelegível por múltiplas condenações por variados atos de improbidade administrativa, em 2012, Moreira se viu impedido de candidatar-se e foi o principal cabo eleitoral do candidato eleito. Em 2016, ainda sob o efeito da inelegibilidade de mais e mais condenações por improbidade administrativa, Moreira lançou candidata á Prefeitura sua consorte conjugal, que venceu as eleições com um diferença de apenas 126 votos, o que fez muito mal à sua percepção política. A partir da vitória de Simone, Moreira passou a considerar-se, politicamente, infalível. O poder subiu-lhe a cabeça. Quando que, na verdade, aquela eleição havia sido perdida por questões internas da oposição. Assim, foi muito fechado o governo Simone, inclusive para muitos aliados. Também foi incapaz de emanar uma liderança. Tudo que dependeu da liderança da prefeita para acontecer nos últimos quatro anos, simplesmente, não aconteceu em João Monlevade. Nada, desde limpeza pública, até o socorro aos atingidos pela última cheia do Rio Piracicaba. Aliás, depois da cheia do rio, o que se viu foi uma crescente onda de antipatia em relação ao governo. No Centro Comercial, em Carneirinhos, a onda de antipatia parecia um tsunami . Até que, na segunda metade do governo Simone, Moreira foi desligado da Rádio Cultura. Eu sempre disse: Carlos Moreira nunca foi nada além da manipulação política que fez na rádio; não fosse a rádio, não existiria Moreira. Dito Feito. Uma vez desligado da Rádio, o castelo de cartas desmoronou-se. Foi só Moreira deixar a rádio, que Simone perdeu o apoio do vice-prefeito, vivenciou duas dissidências internas e viu a Câmara virar-se contra si. Tudo se desfez. Nunca mais. A rádio, agora integrada a um sistema de programação regional de conteúdo, não tem mais o tão danoso programa “Carlos Moreira”. Assim, ele não tem mais o que inventar. Como segue inelegível para os próximos 20 anos ou mais, Carlos Moreira não poderá atrelar-se a ninguém para se esquivar de sua inelegibilidade, vez que o eleitor já comprovou que tal artifício não é sinônimo de bons resultados administrativos. Muito pelo contrário, o resultado foi muito ruim. É o fim de um ciclo. Moreira deixa um terrível legado para João Monlevade, uma cidade abandonada, imunda, esburacada, triste, refém da Dengue, vítima da falta d’água sistemática, do esfacelamento do sistema de saúde, de arruaças no Hospital Margarida, de obras inacabadas e muita corrupção. É preciso que o cidadão compreenda, por exemplo, que aquele terrível e obscuro Frankestein de concreto a que se chegou a chamar de hospital Santa Madalena, que só representou prejuízos e perdas para a comunidade, como a evaporação de muito mais de 22 milhos de reais, a perda de uma Rodoviária centralizada e bem estruturada, do PA, da Policlínica Central, etc, etc, é produto direto da manipulação política efetivada por Carlos Moreira na Rádio Cultura. A lição que fica é a de sempre se defender a Democracia, jamais permitindo que ela seja deturpada por demagogos oportunistas, seja por meio do rádio ou da imprensa escrita, que está cheia de marqueteiros de político, travestidos de jornalistas. Devemos estar sempre vigilantes neste
sentido. Mas, graças a Deus que acabou. Mesmo que ele continue na Rádio Global, ela não tem o poder que já teve a Rádio Cultura. Vivemos a era das redes sociais de mídia eletrônica.
A sensação em João Monlevade, após as eleições municipais, é de alívio, de leveza e de esperança. É como se espessas nuvens de escuridão tivessem se dissipado e a primavera não fosse terminar no próximo dia 21. Na João Monlevade de 2020, apesar da pandemia, a primavera se estenderá além do ano novo. Moreira, nunca mais! E viva a primavera que, em João Monlevade, não se acaba!

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Brincadeira da Infância Monlevadense: uma caixa de sapatos, uma lâmpada cheia d'água, uma vela e um retalho de filme do Cine Monlevade



Acompanho com muito interesse e curiosidade pela rede social o projeto de reconstrução virtual da Praça Ayres Quaresma (imagem), realizado pelo monlevadense, da gema, Lev Vertchenko. 
Vejo todas as imagens, as variações de texturas, leio todos os comentários, etc.Muitos comentam sobre as brincadeiras de infância daquela época de ouro, quando foram crianças no Monlevade Antigo. 
Fiquei especialmente impressionado com a brincadeira revelada num daqueles comentários que consistia no seguinte: a meninada que brincava em meio aos arcos do casario da Praça Ayres Quaresma estava sempre atenta aos retalhos de filmes que eram descartados pelo Cine Monlevade. Uma vez na posse dos retalhos, corriam para casa, onde, com o ajuda de uma caixa de sapatos, uma lâmpada queimada cheia d’água e uma vela acesa, projetavam as imagens dos filmes na parede do quarto escuro.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Cemitério Histórico pode ser a maior fonte de dados sobre a escravidão em João Monlevade


Durante os quase 50 anos que aqui viveu, João Monlevade colacionou uma invejada Biblioteca e farta documentação, composta pela contabilidade e registros de sua Fábrica de Ferro, além de muitos relatórios mineralógicos e correspondências trocadas com diversas autoridades. Poucos anos após o falecimento de Monlevade, Henri Gorceix fundava, em 1876, a Escola de Minas de Ouro Preto, propondo a compra de parte da Biblioteca de João Monlevade. Era um acervo de cerca de 300 volumes, dentre os quais se destacavam 57 volumes do “Annales des Mines” e do“Journal des Mines”, 30 volumes do “Dicionaire critique et bibliographique”, 13 volumes do “Cours de Agriculture” e inúmeras obras sobre a metalurgia do ferro. Contudo, a compra não se concretizou. E, infelizmente, quando a propriedade foi vendida para a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, em 1891, a Biblioteca e os registros produzidos ao longo de quase 5 décadas pela Fábrica Monlevade foram extraviados para o Rio de Janeiro, encontrando-se hoje em paradeiro desconhecido. Muito possivelmente, tais documentos devem integrar hoje algum acervo do Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, pois não é possível crer que foram jogados fora, já que possuíam grande valor econômico, vez que, entre outros, eram os primeiros registros da imensa riqueza mineral de Minas Gerais. Assim, atualmente, são muito poucos os documentos disponíveis capazes de embasar a história da Fábrica de Ferro Monlevade. Os principais são as cartas de Guido Thomaz Marlieri, que registram a expedição pelos rios Doce e Piracicaba, tripulada por uma centena de índios botocudos, que transportaram as 7,5 toneladas de equipamentos para o local escolhido para o estabelecimento da fábrica e o Relatório de 1853, redigido de próprio punho pelo Monlevade, que descreve as cinco cordilheiras de ferro de Minas Gerais, sua Fábrica de Ferro, etc, etc. 
Muito pouco se sabe, por exemplo, a respeito de seus escravos. E na falta de registros documentais disponíveis, a arqueologia pode se tornar uma boa base de dados para o esclarecimento de uma faceta muito controversa e pouco abordada de nossa história que foi a escravidão em João Monlevade. 
Monlevade foi sepultado em meio a seus escravos. No alto de uma colina a pouca distância do Solar Monlevade, situa-se o Cemitério Histórico, também chamado de Cemitério dos Escravos, onde se encontram os túmulos do próprio João Monlevade, de Louis Ensch, etc, e onde, segundo a tradição oral, também se encontram sepultados os corpos dos escravos que serviram à Fábrica de Ferro Monlevade. O cemitério é amplo, murado de alvenaria de pedras e os jazigos dos escravos são desprovidos de sepultura, o que impossibilita distingui-los. Não se sabe, ao menos, quantos escravos estão sepultados ali. O que se sabe é que foram muitos, mais de 150. Na falta dos registros, apenas uma escavação criteriosa poderia revelar o número exato de sepultamentos ali ocorridos. E, a partir do estudo do material exumado, tantas outras informações valiosas ainda poderiam ser fornecidas como, sexo, idade, origem étnica, desgaste ósseo por esforço repetitivo, fraturas por acidentes do trabalho, causa da morte, etc, etc. 
O Cemitério Histórico é uma cápsula do tempo, aguardando para ser revelada e, sem dúvida, o maior “banco de dados” que se conhece hoje sobre a escravidão em João Monlevade. Algum dia, esse trabalho de arqueologia será realizado e muitas perguntas serão respondias.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Dois Mestres-Carreiros de Monlevade transportam um Aguilhão de 900 quilos de ferro forjado até a Mina de Ouro do Morro Velho


A foto acima não é de um carretão a serviço da Fábrica de Ferro Monlevade. A legenda revela se tratar de carro que leva o primeiro motor a vapor, da ferrovia para a Mina do Morro Velho. Contudo, ela é ilustrativa no sentido de revelar como era o transporte pesado e regular de peças de ferro em carretões de quatro rodas, puxados por muitas juntas de bois, inaugurado na região por João Monlevade, a partir da instalação de sua Fábrica em 1828. O carretão da foto pode até ter sido fabricado em João Monlevade, pois a sua fábrica foi fornecedora preferencial de artefatos de ferro para as Companhias Inglesas e também fabricava os fabricava. Infelizmente, os arquivos da Fábrica de Ferro Monlevade, que, inclusive, podem conter fotos dos aspectos produtivos do estabelecimento, foram extraviados para o Rio de Janeiro, em 1891, quando a propriedade foi vendida para a Companhia Nacional de Forjas e estaleiros, encontrando-se hoje em paradeiro desconhecido.


João Monlevade, meados do ano de 1854.
Meu nome é Januário, sou escravo de Angola e mestre-carreiro na Fábrica de Ferro Monlevade. Nos próximos dias, conduzirei com o auxílio de meu ajudante, Francisco Ferreiro, o carretão de quatro rodas, puxado por 7 juntas de bois, que transportará o aguilhão de 60 arrobas (900 Kg) de peso, daqui, da porta da forja, até  a Mina de Ouro do Morro Velho, a 20 léguas (130 Km) de distância, onde deveremos entregá-lo a salvo, sem a menor falência, e no menor prazo possível.   
O aguilhão é a mais pesada peça de ferro, forjada em Monlevade. Muitos já foram produzidos e enviados para as companhias inglesas mineradoras do ouro, alguns deles, pesando mais de uma tonelada. Trata-se de um eixo de transmissão, aplicado na montagem do Engenho Mineiro de Pilões, aparato mecânico movido por roda hidráulica, muito empregado pelas Companhias Mineradoras na trituração do quartzito aurífero retirado das galerias subterrâneas para posterior lavagem e apuração de grandes quantidades de ouro. A ferragem do Engenho Mineiro de Pilões, inclusive as cabeças de seus trituradores, que são blocos sólidos de 80 quilos de ferro forjado, é também toda produzida em Monlevade e enviada para as maiores Minas da região. Como é muito pesado, para se fabricar um grande aguilhão demanda-se todo o ferro produzido em dois dias inteiros de operação na Fábrica Monlevade e o trabalho coordenado dos melhores mestres-ferreiros. Logo, ele é modelado, empregando-se apurada técnica de forja, de solda e de alinhamento dominadas apenas em João Monlevade. “Não se tem notícia no Império Brasileiro de outra fábrica que produza peças de ferro tão pesadas e bem acabadas”, é o que não se cansa de repetir o Capitão Monlevade.
A viagem para o Morro Velho é a maior que fazemos, regularmente. Da Fábrica, partem vários ramos de estradas carroçáveis que levam a todas as direções. A maior freqüência das viagens de carro é para Mina do Gongo Soco, que é o principal cliente da Fábrica de Ferro. Também viajamos muito para a Mina de Pari e para as cidades de Itabira, Santa Bárbara, Caeté, Sabará, etc. Nos meses chuvosos, as estradas ficam, praticamente, intransitáveis. O pouco trânsito de carretões de quatro rodas se limita aos serviços internos que não podem parar na Fábrica de Ferro, como o transporte do carvão, do mineral de ferro, etc. Durante o período de chuvas, o escoamento da produção fica, virtualmente, interrompido, a não ser pelo deslocamento de poucas tropas que se aventuram a levar artefatos mais leves, como ferraduras, cravos, ferramentas de mão, etc. Os produtos mais pesados, que não são poucos, são estocados, aguardando o tempo seco favorável para que sejam transportados, conforme as encomendas.  Na primeira lua cheia do inverno, quando firma a estiagem, inicia-se a temporada das longas viagens de carro na Fábrica Monlevade.
Desta vez, quem vai comigo é o Francisco Ferreiro. Já conduzi muitos carretões, os mais pesados. Mas, será a primeira viagem de carro de Francisco Ferreiro. Como o próprio nome diz, Chico Ferreiro era mestre-ferreiro, habilmente, treinado em pessoa pelo próprio Capitão Monlevade. Ele manipulava ferros de todas as formas e tamanhos. Fazia cravos perfeitos em velocidade fabril, fechaduras confiáveis, os melhores cutelos, almofarizes, dobradiças retilíneas, moendas e até uma inacreditável máquina de costura que ficou muito famosa. Chico Ferreiro era sempre o preferido pelo Capitão Monlevade para liderar os trabalhos de solda e de alinhamento preciso dos aguilhões. Mas, foi, justamente, durante o alinhamento de um aguilhão maior, que conduzi para a Companhia do Gongo Soco na última temporada de carro, que Chico Ferreiro se acidentou no maior malho hidráulico da Fábrica, machucando-se, gravemente. Quase o perdemos. Ele passou muitos dias acamado, teve muita febre. Mas, com a graça de Deus, o Chico Ferreiro deixou de ter febres, levantou-se da cama, já se recuperando bastante. Então, o Capitão Monlevade determinou que o Chico se afastasse do trabalho nas Tendas de Ferreiro e que eu o treinasse para trabalhar nas viagens de carro, como mestre-carreiro. Existe uma rígida hierarquia dentro da Senzala Monlevade. Apesar de sermos todos escravos, os mestres-ferreiros são os que se acham por cima da carne-seca. Eles são cheios de empáfia. Tudo de melhor é para eles. Em seqüência, são os carvoeiros. “O carvão não pode nunca faltar”, diz sempre o Capitão. Depois, somos nós, os carreiros, seguidos pelos tropeiros, carpinteiros e pedreiros. Ainda existem os escravos que servem à Casa Grande e se equiparam aos mestres-ferreiros. Tudo é muito complexo em Monlevade! Assim, mesmo que sem merecimento, o Chico Ferreiro se sente “rebaixado” para o posto de carreiro, apesar de seguir vivendo na Senzala dos Ferreiros. Lá, por exemplo, tem a melhor comida. Então, ele não está muito feliz.  Mas, acho que o Chico Ferreiro vai acabar compreendendo que conduzir uma tonelada de carga num carretão de quatro rodas, tracionado por muitas juntas de bois até a Mina do Morro Velho, em Congonhas do Sabará (Nova Lima), a 20 léguas de distância, pode ser uma proeza tão grande quanto fabricá-los.  Afinal, do que adianta forjar as maiores peças de ferro já produzidas no Império Brasileiro, se não pode transportá-las até o destino, onde serão utilizadas?!!
O transporte de um pesado aguilhão até o Morro Velho demanda planejamento e estrutura. As condições de trafego da estrada são mantidas pela Fábrica de Ferro Monlevade. A Capitão também é conhecido pelas muitas estradas que abriu e mantem. Há pousos pré-determinados, onde os animais descansarão e serão alimentados. São 14 cabeças no total. É necessária muita atenção para com os animais, saber a hora de puxar o carro, de alimentar o gado, dar de beber, de aliviar a marcha e de descansar.  Se eu perder um boi, vou para o tronco. Se quebrar uma roda do carro, vou para o tronco. Se o Aguilhão virar na estrada, também vou para o tronco. Difícil dizer o que é pior na escravidão, a violência física que sofremos ou a violência moral, a que somos submetidos no sentido de não podermos escolher sobre nosso próprio destino. Por isso, espero ansioso pelo início da temporada dos carros de bois na Fábrica de Ferro Monlevade, pois é quando posso viajar e ver coisas, lugares e pessoas diferentes. A temporada de carro é uma ilusão de liberdade para o escravo-carreiro.       
Os carretões empregados neste transporte são de quatro rodas, à moda européia, os maiores e melhores da região, fabricados pela própria Fábrica de Ferro, que também os vende a quem se interessar. Existem muitos deles. São necessários, no mínimo, dois condutores para guiar um carretão. Um vai a frente guiando o gado para fazê-lo pisar no local certo da estrada, o outro segue no carro, acompanhando as condições da carga, que deve estar muito bem amarrada, e acionando os freios, quando necessário, sempre preparado para calçar as rodas, se for preciso.  Levamos ainda mantimentos, material sobressalente, lanternas, enxada, alavancas, cordame, etc. Partimos amanhã, ao alvorecer.

1° Dia.

Sob os primeiros raios de sol, deixo a senzala dos carreiros, dirigindo-me para o Solar, onde sou recebido pelo próprio Capitão Monlevade para encarregar-me do transporte e proceder às ultimas ordens. Atravesso o terreiro em direção ao grande curral onde as 7 juntas de bois já se encontram dispostas na fileira de cangas, prontas para o enganche no carro, que, por sua vez, acha-se estacionado na Forja, logo abaixo, já carregado com o aguilhão. É na Forja que me encontro com Chico Ferreiro para prender as juntas de bois ao carro, tendo, então, início a nossa viagem. Seguimos em direção a São Miguel do Piracicaba sob forte cerração.
A estrada para São Miguel é muito boa e muito movimentada pelas tropas. Quanto mais próximas da Fábrica, melhores são as estradas. Ela segue pela margem esquerda do Rio Piracicaba e possui muitos bebedouros para o gado. Eu e Chico Ferreiro vamos revezando. Quando ele segue no carro, eu sigo na guia a frente dos animais e vice-versa.  Chico Ferreiro é homem de poucas palavras, enxerga mais do que fala. E mais ou menos na metade do caminho para São Miguel, ele já dá sinal de rastro de onça. E era mesmo um rastro fresco de onça. Não nos preocupamos, ela já deve estar longe. Perigoso é quando se encontra rastro fresco de onça acompanhado do rastro do filhote. Então, ela quase sempre ataca.  Mas, sem o rastro do filhote, seguimos em frente. Paramos um pouco para o gado descansar, ruminar e voltamos logo em seguida para a estrada. Temos que chegar a São Miguel, antes do anoitecer, para o pouso programado na propriedade de João Gomes de Freitas, grande amigo do Capitão Monlevade. Mais uma légua de marcha a diante, chegamos ao primeiro pouso. Somos recebidos pelos funcionários da propriedade e os bois são conduzidos para o curral, onde descansarão e serão alimentados. Acendemos o fogo, Chico Ferreiro vai cozinhar o feijão, para acrescentarmos a farinha e ao toucinho que trazemos na lata. Após jantarmos, dormimos dentro do próprio carretão.

2º Dia.
No segundo dia de viagem, madrugamos para emparelhar o gado no carro e partimos rumo a Santa Bárbara. Levamos bastante feno para a alimentação do gado no próximo pouso que será à beira da estrada. Precisamos fazer render bem a marcha do carro para chegarmos a Santa Bárbara em dois dias. A diante, na estrada, vai o rastro fresco de uma mula. ¼ de légua depois, o rastro da mula coincidiu com pegadas de gente. É... parece que o cavaleiro caiu da montaria.  ¼ de légua mais a frente, encontramos o cavaleiro, à pé e nada da mula, a não ser o seu rastro. Ele nos disse que havia apeado para matar a sede no ribeirão, quando sua mula fugiu em disparada. Sei não, o sujeito manca um pouco, está mais para queda. E perguntou se podia pegar uma xepa no carretão. O Capitão Monlevade nos orienta a não darmos carona no carro. Mas, deixei que ele pegasse “o boi” e nos acompanhasse enquanto o rastro da mula se mantivesse no leito da estrada. Rodamos por todo o dia, parando algumas vezes nas sombras e nos bebedouros, até alcançarmos o ponto do próximo pouso, no fim da tarde, onde nos deparamos com a danada da mula, lá paradinha, como se estivesse aguardando seu cavaleiro. Desta vez, vamos pernoitar a beira da estrada. Nestas condições, o gado nem é retirado das gangas, as juntas são apenas separadas. O gado é manso, obediente, quase treinado. Ele é alimentado com feno e passa a noite ruminando. O cavaleiro  da mula fugida seguiu apressado para Santa Bárbara. É noite de lua cheia, a estrada está bem iluminada. Como o Capitão Monlevade nos orienta a não movimentarmos o carro durante a noite, ficamos por aqui. Agora, é a minha vez de preparar o feijão tropeiro. Chico Ferreiro acendeu as lanternas e foi buscar lenha. Depois do jantar, dormimos.    
              
3° Dia.
No terceiro dia de viagem, já no alvorecer, apagamos as lanternas e o fogo, emparelhamos as juntas de bois, enganchamos o carro e seguimos rumo a Santa Bárbara. Chico Ferreiro, agora viu rastro de lobo na estrada. Em Monlevade existem muitos, eles só atacam os galinheiros. Vamos parando nos bebedouros, alimentando os bois com feno e respeitando o sol forte, apesar do inverno. Já no fim da tarde, chegamos a Santa Bárbara, onde pousamos no mercado das tropas. Levamos o gado para o curral e eu vou à mercearia comprar ovos e lingüiça para o feijão-tropeiro do jantar. O Capitão Monlevade permite a nós, seus escravos, que aproveitemos o domingo para lavrar ouro nos ribeiros. Então, agora é hora de gastar um dinheirinho! Na volta compramos um monte de encomendas para toda a Senzala. Os que mais compram são os mestre-ferreiros. Por isso, a comida deles é tão boa.

4° Dia.
No quarto dia de viagem, deixamos Santa Bárbara rumo a São João do Morro Grande (Barão de Cocais). A estrada também é boa e movimentada pelas tropas. Saímos logo cedo e, ao meio dia, já estávamos à sombra em São João, onde recebemos de uma tropa a notícia de que dois dias atrás de nós vem subindo outro carretão de Monlevade, carregado de ferragens para a Companhia do Gongo Soco. A partir daqui, é preciso vencer a Serra da Piedade, no Morro Vermelho, e a Serra do Curral, em Congonhas do Sabará (Nova Lima). O terreno é ladeirento, exige muito mais dos animais, dos freios dos carros e dos carreiros. Pousamos, no fim da tarde, à beira da estrada, a meio caminho do Morro Vermelho.

6° Dia.
No sexto dia de viagem, partimos cedo, novamente. Subir a Serra do Morro Vermelho não é nada fácil. Leva o dia inteiro! No início da noite, pousamos no arruamento do arraial. Haja lenha para a fogueira, basta o sol se por para o frio escorrer das serras. A noite vai ser muito fria.  
     
7° Dia.
O sétimo dia de viagem amanhece tomado pela bruma. Não é possível ver nada além do nevoeiro, no Morro Vermelho. Mas, vamos tratando de levantar o pouso e rumar para o Arraial dos Raposos.  As ladeiras são muitas, o carro sobe e desce. É necessária muita precisão para subir os morros de uma vezada só, o que é mais fácil. Nas descidas, é preciso acionar o freio no ritmo das passadas dos animais. Chico Ferreiro vai revelando jeito para o freio.   Chegamos ao Arraial dos Raposos, nosso último pouso programado, no meio da tarde. Pousamos junto de umas tropas de comércio, que seguiam para Sabará. Ouvimos muitas histórias até tarde da noite.    

8° Dia.
No oitavo e último dia de nossa jornada, rumamos muito cedo para a Companhia do Morro Velho, em Congonhas do Sabará (Nova Lima), destino final do transporte. A passagem do Arraial dos Raposos para o Morro Velho também é repleta de ladeiras. Mas, mantendo uma boa passada do gado, chegamos lá no início da tarde. A Mina de Ouro do Morro Velho é o segundo maior cliente da Fábrica de Ferro Monlevade. Ela compra de tudo, desde ferramentas como almocafres, enxadas, pás e picaretas, passando pela cabeça dos trituradores dos Engenhos Mineiros de Pilões, até aguilhões de 1 tonelada.
Finalmente, depois de 20 léguas e muito suor, entregamos, mediante recibo do gerente da Saint John d'el Rey Mining Company o aguilhão de 60 arrobas de ferro forjado que será empregado no processo de mineração do ouro. Descansaremos o restante do dia, para iniciarmos nosso regresso amanhã bem cedo. Há mais cargas a serem transportadas, a temporada de carro está apenas começando na Fábrica de Ferro Monlevade. Chico Ferreiro, então, me diz que pode até mudar o nome para Chico Carreio, mas que vai continuar a almoçar e a jantar na Senzala dos Ferreiros. Eu sigo minha vida na lida com o carro e volto para casa com a sensação do dever cumprido e a ilusão de liberdade que só um escravo-carreiro da Fábrica de Ferro Monlevade pode ter.    



terça-feira, 13 de outubro de 2020

Estrada do Forninho até Itabira foi aberta por Monlevade, há quase 170 anos


 

Não é por menos que o metalurgista, poeta e minerálogo, João Antônio de Monlevade, é reconhecido pelos historiadores como um dos maiores construtores de estradas do século XIX em Minas Gerais, quase sempre carroçáveis, e dotadas de pontes para a travessia dos rios.  Monlevade compreendia que o desafio não era apenas o de produzir, em escala, as maiores peças de ferro já forjadas no Brasil, mas também transportá-las até os mercados consumidores ou a seus clientes preferenciais. Muito antes das estradas de ferro, o transporte disponível para escoamento da produção da Fábrica de Ferro eram as tropas e os famosos carretões de quatro rodas, puxados por muitas juntas de bois, também fabricados em Monlevade.  

A estrada de carro mais longa aberta por João Monlevade que se tem registro é a que ligava sua Fábrica de Ferro à Mina do Morro Velho, em Nova Lima, contando com 130 quilômetros de extensão. As viagens de carretões de quatro rodas puxados por muitas juntas de bois e carregados de peças de ferro mais freqüentes eram pela estrada até a Mina do Gongo Soco, que era o principal cliente da Fábrica de Ferro. Mas, outras localidades também representavam mercados importantes para os artefatos de ferro produzidos em João Monlevade, como a cidade de Itabira.      

Foi em Itabira que pela primeira vez em Minas Gerais se empregou na mineração do ouro a tecnologia do Engenho Mineiro de Pilões, cuja ferragem completa, inclusive as cabeças dos trituradores, era fabricada em Monlevade. As elevadas somas de ouro apuradas nas minas do Pico do Cauê demandavam cada vez mais ferramentas e peças de ferro para explorá-las. Assim, até pela pouca distância, a Fábrica de Ferro Monlevade  não poderia ficar sem comunicação direta com a cidade de Itabira. 

No Relatório de 12 de dezembro de 1853, Monlevade comunica ao Governador da Província de Minas Gerais, Diogo de Vasconcelos, o andamento da construção da estrada até Itabira, que, àquela altura, dependia da conclusão da ponte sobre o Rio Santa Bárbara para prosseguir rumo ao destino pretendido. Ele escreveu, “ Ela (a fábrica de ferro) é aqui distante ... a seis léguas da cidade de Itabira , mas ficando acabada a ponte agora em construção sobre o Rio Santa Bárbara, assim como a estrada da dita para a cidade, ficará a distancia reduzida a 4 ¼ léguas”.          

A partida pela Estrada do Forninho rumo a Itabira inicia-se no nível do Córrego Carneirinhos, no entorno do Solar Monlevade e originalmente, seu trajeto inicial seguia pela rua de acesso ao Bairro Pedreira, até alcançar o leito atual da estrada no trevo à frete, para subir a Serra do Andrade e descê-la pelo outro lado até o nível do Rio Santa Bárbara, atravessando a ponte e voltando a subir, serpenteando pelas cristas das serras, vindo a descê-las apenas quando já se avista a cidade de Itabira. O percurso é, muitas vezes, íngreme e, sempre, sinuoso. É incrível saber que aquele trajeto foi, originalmente, aberto em meados dos anos de 1800, a golpes de machados, enxadas, picaretas, etc, e que por aquelas alturas trafegaram numerosas tropas e pesados carros de bois, carregados de peças de ferro.

Mas como se pode afirmar que o trajeto original da Estrada do Forninho foi aberto por Monlevade? Ora, pelas informações prestadas por João Antônio de Monlevade ao Governador de Minas, em 1853. Não há outra estrada que liga, diretamente, o município de João Monlevade à cidade de Itabira, passando uma ponte sobre o Rio Santa Bárbara e medindo exatas 4 ¼ léguas, ou seja, 28 quilômetros de distância. A estrada anterior, de 6 léguas de extensão a que Monlevade se referiu  é aquela que passa por São Gonçalo do Rio Abaixo.  Claro que nestes últimos quase 170 anos, a Estrada do Forninho, passou de estrada carroçável à uma estrada de rodagem bastante sinuosa, recebendo alargamento, pavimentação asfáltica, sinalização, rede de drenagem, etc (foto). Mas, o seu traçado original, sem dúvida, é aquele, cuja construção foi mencionada por João Antônio de Monlevade no Relatório de 1853.             

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Boletim Epidemiológico da Prefeitura Omite Curva de Evolução da Covid-19


O  Boletim Epidemiológico, publicado, diariamente, pela prefeitura de João Monlevade (imagem), é um horror de obscurantismo.
Dele não consta sequer o número específico de novos infectados por dia. Para conhecê-lo, temos de subtrair o número de infectados de hoje pelo número de infectados de ontem. Ocorre que, sem o número de infectados diários, não se pode traçar a curva de evolução das infecções por Covid. Assim, não podemos saber em que pé da pandemia nos encontramos. Se as infecções se estabilizaram em patamar baixo ou elevado, se estão diminuindo ou aumentando.
Também não se vê empenho do Conselho Municipal de Saúde em adotar procedimento de produção de dados mais eficiente sobre a realidade da pandemia no Município. Num dia há 4 novos casos, no outro são 12, depois são 22. O que está acontecendo com a curva de contágio? Ela está oscilando tanto por quê? Ou será que a Secretaria de Saúde não está produzindo dados concretos na velocidade devida? Se a prefeita conhece os dados da curva, por que ela não os publica. Ou será que a prefeita tem flexibilizado o isolamento social, sem conhecer a curva de infecções por Covid-19?              

domingo, 23 de agosto de 2020

Professor Monlevadense Reconstrói o Cine Monlevade em Realidade Virtual






O monlevadense, Lev Vertchenko, está reconstruindo em ambiente de realidade virtual o prédio do antigo Cine Monlevade, demolido em 1987. A meta é reconstruir toda a Praça Ayres Quaresma, que, originalmente, foi a principal praça cívica e centro cultural da fustigada acrópole industrial de João Monlevade. A tecnologia utilizada por Vertchenko permite, inclusive, um passeio visual pelo interior da sala do antigo Cine Monlevade, que adquire ares de ainda mais realismo, se utilizados óculos virtuais.
Lev Vertechenko encontra-se, atualmente, radicado em Belo Horizonte, onde exerce o ofício de professor de física na Pontifícia Universidade Católica. Nascido no Hospital Margarida, passou sua infância no Bairro Vila Tanque, vindo a residir no número 14 da Avenida Aeroporto. Ele é filho do engenheiro de nacionalidade russa, Iliá Vertchenko, que chefiou o setor de topografia da extinta Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, tendo sido responsável por importantes realizações no Município, entre elas, a instalação do extenso teleférico, cujo terminal atravessa o leito do Rio Piracicaba para abastecer o alto-forno de carvão.
Ontem, tive a grata oportunidade de conversar com o Professor Vertchenko por videoconferência sobre seu projeto de reconstrução virtual do conjunto arquitetônico da Praça Ayres Quaresma. Em tom de muito saudosismo, o que é comum a todo monlevadense que viveu aqueles áureos tempos, Lev Vertchenko recordou algumas passagens do que definiu como sua maravilhosa infância na Vila Tanque, relatando as andanças aventurosas pela Mata Atlântica do bairro, os passeios de bicicletas pelo Campo de Aviação, as intrépidas corridas de carrinhos de rolimã por aquelas ladeiras, a freqüência nos clubes esportivos, como o Caça e Pesca e o Social-Clube, as partidas de tênis com o famoso Sr. Nastrini, a vida letiva no Colégio Estadual, as idas ao cinema, etc.  Ele ressaltou ainda que o belíssimo casario neo-clássico da Praça Ayres Quaresma fora planejado com muito esmero pelo arquiteto tcheco Yaro Burian, lamentando o fato da demolição injustificada e do abandono ou destruição dos bens culturais do que chamou, carinhosamente, de “Velha Monlevade”. Também destacou a importância cultural que o Cine Monlevade exercia sobre a região. Segundo ele, era comum que integrantes da comunidade russa de Belo Horizonte se deslocassem da capital mineira para João Monlevade a fim de poderem assistir a filmes russos que não eram exibidos em outras salas de cinema do estado.  
Como demonstram as imagens anexas, a reconstrução virtual do prédio demolido do antigo Cine Monlevade encontra-se avançada e pode ser acompanhada no perfil do Professor Lev Vertchenko no Facebook. Em havendo novidades sobre este que é um dos mais relevantes trabalhos de resgate histórico-cultural da atualidade de João Monlevade também as publicaremos aqui.    

segunda-feira, 13 de julho de 2020

MONLEVADE REGISTRA O PRIMEIRO ÓBITO POR COVID-19: NOTA DA PREFEITURA CONFESSA DIFICULDADE NO TRATAMENTO DE PACIENTES DE RISCO

Assessoria de Comunicação/Prefeitura João Monlevade

O Município de João Monlevade, lamentavelmente, registrou o primeiro óbito, ocasionado pela pandemia de Covid-19.
De acordo com a nota de pesar emitida pela Prefeitura (IMAGEM), trata-se de um senhor de 90 anos de idade que se encontrava internado no Hospital Margarida. Ainda segundo a nota, cujo texto recebeu retificação gramatical posterior, “foi mais difícil salvar esta vida, pois, ele, além da idade já avançada, tinha, segundo o hospital, histórico de problemas pulmonares”. Como se sabe que a Covid-19 é muito mais perigosa nos casos de comorbidades preestabelecidas, a nota emitida pelo governo Simone/Carlos Moreira acabou soando como uma confissão de que a Prefeitura enxerga dificuldade no tratamento de pacientes que se encontram no espectro de risco da doença, como idosos e doentes respiratórios, e, portanto, não estaria preparada para enfrentar os casos graves da pandemia, que são, justamente, aqueles que levam ao óbito.
Do outro lado, no campo da prevenção, a situação não é diferente. Não se vê liderança alguma da prefeita na implementação de um plano de isolamento social efetivo, nem fiscalização no cumprimento do decreto editado pelo governo. O que se comenta nos bastidores é que a prefeita não tem sido vista com regularidade na Prefeitura.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Pátria Monlevadense


É torrão da casa do francês
Perto das terras de São Miguel
Onde do metal e do carvão foi forjado um anel

Alvorecem trêmulas as montanhas
Do glorioso ferro de suas entranhas
A fábula, os malhos e a altivez

Ó pátrio Solar, testemunha ocular
Indústria a fogo, suor e chibata
Sem história correlata
Te amar, amar, amar

Do anel se urdiu corrente
E pra lá partiu tanta gente
Apressa, vende, empreende

Cenário de tanta modernidade
Pioneiro berço da siderurgia
Que ninguém poderá esquecer um dia
Do nome daquele Monlevade

sábado, 6 de junho de 2020

ENQUANTO ISSO, NA FÁBRICA DE FERRO MONLEVADE: ÊTA FERRO, SÔ!



Os diversos artefatos produzidos, a partir de 1828, pela Fábrica de Ferro do minerálogo e metalúrgico francês João Antônio de Monlevade viabilizaram, sob o ponto de vista tecnológico, uma interessante fase da mineração do ouro em Minas Gerais, representada pelo estabelecimento das Companhias Mineradoras Inglesas e, sobretudo, pela adoção de mecanização no processo minerário, cuja herança cultural segue muito viva no jeito peculiar de falar do mineiro.
Nos mil e oitocentos, a produção de ouro já havia declinado muito se comparada àquela verdadeira fábula ocorrida no início do sec. XVIII. O ouro mais fácil dos depósitos sedimentares superficiais e das galerias das encardideiras argilosas dava sinais de esgotamento. Contudo, ainda havia muito ouro nos veios subterrâneos. O problema era como processar aquele ouro, já que sua ocorrência se dava associada ao quartzito, uma rocha muito dura. Foi então que, a partir do segundo quartel do sec. XIX,  com capital inglês, fundaram-se muitas companhias mineradoras que adotaram, intensivamente, tecnologias mecanizadas no processamento do ouro, como a utilização do Engenho Mineiro de Pilões, etc. Constituído, por uma poderosa roda d’água e uma fileira de trituradores, cujas cabeças eram blocos sólidos de 80 quilos de ferro forjado, o Engenho Mineiro de Pilões(fotos) funcionava dia e noite, sendo muito eficiente no processamento do quartzito aurífero. Entre 1826 e 1856, apenas o Gongo Soco, que então pertencia à Imperial Brazilian  Mining Association, apurou, mediante o emprego do Engenho Mineiro de Pilões, a fabulosa soma de 27.887 quilos de ouro puro, o que fez dela a maior mina produtora de ouro da história da humanidade.
E coube a João Monlevade suprir por mais de 50 anos a demanda por artefatos de ferro imposta pela mecanização das minas, produzindo tudo de ferro que as Companhias Inglesas necessitavam e, principalmente, a ferragem completa e as cabeças dos trituradores dos Engenhos Mineiros de Pilões, além de peças e ferramentas de todas as formas e tamanhos, algumas de mais de 900 quilos de peso.
E foi convivendo com os ingleses das companhias mineradoras, que o mineiro passou a utilizar expressões lingüísticas muito típicas como “sô”,  “trem” e “uai”.
Falava-se o inglês nas companhias mineradoras. Tidos como lordes, os ingleses se tratavam por “sir”, cuja tradução para o português é senhor e, no sotaque mineiro, logo se tornou “sô”, que, não por menos, também é muito empregado como sinônimo de senhor. Por “sô” também é tratado aquele com quem se conversa. O mineiro se refere ao outro como “sô”, pois era assim que os ingleses se tratavam nas companhias mineradoras. “Trem” é em referência ao termo inglês “train”, que era como os ingleses denominavam o sistema de vagonetes sobre trilhos, utilizados nas Companhias Inglesas para retirar o minério aurífero das galerias subterrâneas. A tecnologia dos trens de vagonetes também foi introduzida no contexto de mecanização das minas e facilitou tanto o serviço que, deslumbrado com o rendimento daquele equipamento, o mineiro passou a chamar qualquer coisa de trem. Pode-se dizer que naquele contexto da mecanização da mineração, o trem de vagonetes era tudo para o mineiro. E ainda hoje, em Minas, “trem” significa qualquer coisa, negócio ou troço.  O “uai”, por sua vez,  tem origem no vocábulo inglês “why”, cuja tradução é “por que (?)”. Os ingleses eram ao mesmo tempo patrões e senhores, pois se empregava nas companhias tanto mão-de-obra escravizada como assalariada. E era, justamente, a assalariada a mão-de-obra mais difícil de lidar, de se obter resultado. Assim, os ingleses estavam sempre questionando e cobrando do mineiro o porquê de tudo. Daí, indagavam muito ao mineiro: “why, why”?  A ponto de o mineiro aportuguesar o “why” para “uai”, passando a utilizá-lo para expressar espanto, surpresa ou assombro.            
Ora, se a fase da mecanização da mineração do ouro deixou tantas marcas no jeito de falar do mineiro e se a Fábrica de Ferro de Monlevade esteve tão, intimamente, ligada àquele fenômeno, acredito que ela também pode ter deixado sua contribuição no modo mineiro de falar. Até porque se tratou da mais importante Fábrica de Ferro do Brasil-Império. Falo de outra expressão muito curiosa e também muito falada pelo mineiro da região que é “Êta ferro, sô!” .
A Fábrica de Ferro Monlevade comunicava muito com diversas regiões de Minas. João Monlevade abriu e manteve por décadas  uma vasta rede de estradas carroçáveis que ligava sua fábrica à maioria das companhias inglesas e à vários outros mercados mineradores, etc. Durante os meses de seca, o trânsito dos carretões de quatro rodas, puxados por muitas juntas de bois, se intensificada nos arredores da fábrica. Eles deixavam o estabelecimento para transportar peças de ferro a grandes distâncias e junto da carga também podiam levar notícias, recados, casos, um pouco do cotidiano da fábrica, etc. Durante todo o ano, muitas tropas de diversas regiões de Minas estavam sempre chegando ou deixando o estabelecimento. Umas para abastecer a Fábrica de víveres, outras porque revendiam artefatos de ferro da fábrica, Minas Gerais afora. Havia ainda aquelas que necessitavam apenas de atravessar o Rio Piracicaba numa das pontes mantidas por Monlevade, outras necessitavam do serviço completo de ferragem dos animais, prestado pelo estabelecimento, etc, etc. Havia também os Correios que visitavam a fábrica a cada cinco dias e as tropas próprias do estabelecimento. Enfim, existia muita comunicação.
Assim como “uai”, “trem” e “sô”, a expressão “êta ferro, sô!” é muito utilizada na região, sendo empregada quando se está diante de uma dificuldade. Quando o mineiro se depara com algo dificultoso, ele exclama “êta ferro, sô!”.  “Êta” é tupi-guarani e indica espanto ou surpresa. “Ferro” é o metal que conhecemos. E “sô”, como já visto, é alguém com quem se conversa.  A Fábrica de Ferro Monlevade era afamada pelo treinamento e habilidade de seus mestres-ferreiros que fabricavam peças de ferro de todas as formas e tamanhos, algumas muito meticulosas. Há registro de mestre-ferreiro de Monlevade que fabricou um relógio de parede e uma máquina de costura, tudo feito a mão na forja.
Acredito que quanto um dos mestres-ferreiros de Monlevade se punha a forjar um ferro mais meticuloso, daqueles de marteladas contadas, precisas, em que se empregava técnicas hoje esquecidas, então, ele  iniciava a seqüência e as manobras dos golpes de forja e, pela complexidade própria do serviço, batia o malho fora do lugar, inviabilizando a peça e, então, frustrado, exclamava: “êta ferro, sô!”:trabalho todo perdido! Então, um tropeiro que, curioso, observa aquele trabalho, enquanto carregava as bruacas de sua tropa com as últimas dúzias de ferraduras, cravos e ferramentas para ferrar, ouvia aquela expressão, retornava, por exemplo, para Diamantina e quando lá chegava, deparava-se como uma situação dificultosa e também exclamava: “êta ferro, sô!”. Um carreiro de Monlevade deixava a fábrica para levar até a Mina do Morro Velho determinada peça de ferro, então, no último pouso  a roda do carretão quebrava e ele, que já havia escutado aquilo mil vezes, também exclamava: “êta ferro, sô!” O dono do pouso ouvia aquilo e passava a diante.
Afinal, onde mais poderia ter sido cunhada em Minas Gerais a expressão regional “Êta ferro, sô!”, a não ser na Fábrica de Ferro que participou diretamente do processo de mineração, do qual “uai”, “trem” e “sô” se originaram? Só pode ter sido em Monlevade!           

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Pré-candidato Lucien Marques atropela novo provedor para fazer mais politicagem com o Hospital Margarida


É muito estranho! Até recentemente, enquanto o ex-provedor José Roberto Fernandes estava, literalmente, arrebentando com o Hospital Margarida, destruindo o Bingo, perseguindo a AAHM, médicos, inchando a máquina com cabos eleitorais, retendo honorários médicos, etc, circulou matéria na imprensa local, dando conta de que o sempre pré-candidato e também ex-provedor, Lucien Marques, preferia, naquela situação, se manter afastado do Hospital Margarida.
Agora, em meio à pandemia, em pleno ano eleitoral e tomada posse a nova diretoria do HM, o pré-candidato Lucien Marques reapareceu com gás total e anda fazendo sucessivas declarações em nome do Hospital Margarida, como se provedor fosse, atropelando a autoridade do provedor empossado, José Alberto Grijó, que é quem, estatutariamente, deveria responder e falar pela casa de saúde.
Pelo que se vê, mudou a provedoria, mas o Hospital segue submetido a mais do mesmo, ou seja, àquela politicagem de sempre que tem conduzido o Margarida à beira do precipício. A postura oportunista do pré-candidato Lucien Marques é mais uma demonstração de o Hospital Margarida deve deixar de ser administrado por uma entidade política, como é a Associação São Vicente de Paulo de Carlos Moreira, para voltar a ser gerido por uma entidade técnica, especialista em gestão hospitalar. Lucien aposta numa receita que, definitivamente, não tem dado certo, já tendo produzido crises sucessivas e sistemáticas no HM, além de uma dívida estimada em mais 30 milhões de reais, e pior, o faz num momento delicado de pandemia em função da Covide-19.
Não há como obter resultados diferentes, agindo sempre do mesmo modo. Se o atual provedor,  José Roberto Grijó, cujo nome até então representou um fio de esperança para a retomada da normalidade naquela casa de saúde,  não retomar as rédeas do Hospital, impedindo o oportunismo eleitoreiro no Margarida, a situação que já é péssima, pode piorar ainda mais.           

terça-feira, 21 de abril de 2020

E se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam suas impressões sobre Minas Gerais?



21 de abril de 1792, dia em que foi executada da pena de morte por enforcamento imposta a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da Conjuração Mineira. Tiradentes foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça salgada para ser exibida ao público de Vila Rica. Seu corpo foi desmembrado em quatro partes e exposto pelos caminhos de Minas para o mesmo fim. A casa em que vivia foi arrasada, o terreno, salgado para que nada mais ali nascesse e seus filhos e netos foram declarados infames, por conspirar contra a Coroa Portuguesa, sonhando com uma Minas Gerais livre das amarras da metrópole e, principalmente, livre da pesada carga tributária incidente sobre a mineração do ouro, em função da qual, além do pagamento dos chamados quintos dos infernos, ou seja, 20% sobre a produção bruta de ouro, também era cobrada a Derrama, isto é, 100 arrobas de ouro puro que, anualmente, toda a Minas Gerais deveria pagar à rainha, independentemente, do volume de produção ou de qualquer outro fator, num processo de execução fiscal violento, repleto de arrestos, sequestros de bens, expropriações e muitos abusos contra os mineiros. 
Pois bem, passados 228 anos de seu enforcamento, pergunto, neste 21 de abril: e se Tiradentes pudesse reviver em 2020, quais seriam as impressões que o Mártir da Inconfidência Mineira e Patrono Cívico do Brasil teria sobre a mineração em sua terra, Minas Gerais?
Ao desembarcar na Minas Gerais contemporânea, Tiradentes, certamente, tomaria seu primeiro susto ao se deparar com o fato de que o mineiro não poder mais minerar. O Inconfidente olharia para todas aquelas tão famosas Minas de Ouro, pelas quais deu a vida, e veria a grande maioria delas inativas e inexploradas sob a falsa alegação de esgotamento das mesmas. O “engraçado” é que o ouro acabou apenas para o mineiro. Para as grandes mineradoras, muitas delas de capital inglês, australiano ou sul-africano, a mineração do ouro segue a passos largos. Tiradentes buscaria, então, descobrir o que aconteceu e poderia ver que, hoje em Minas, se o mineiro vai ao aluvião e, artesanalmente, no uso de uma bateia, apura alguma quantidade de ouro, cujo grama atualmente vale R$ 289,00, ele é, imediatamente, preso pela Polícia Ambiental. Dois gramas de ouro por dia são R$ 578,00. Dez dias trabalhados, portanto, rendem R$ 5.780,00, nada mal em tempos de crise e desemprego.
Na época de Tiradentes, quando vivíamos sob o “jugo” português, o mineiro que descobrisse uma jazida de ouro passava a deter o direito de lavra, sendo-lhe permitido explorá-la. Hoje, tudo é oligopólio das grandes mineradoras, num sistema de exploração mineral injusto que, simplesmente, proíbe o mineiro de minerar, privilegiando apenas o grande capital e empresas multinacionais. De proprietário das Minas, o mineiro passou a participar da mineração apenas como empregado das grandes mineradoras. Nesta situação, certamente, Tiradentes seria acometido por uma saudadezinha do “jugo” português e ponderaria: "será que fiz certo ao conspirar contra a rainha?"
Um segundo grande choque teria Tiradentes ao descobrir, então, o que acontece com a mineração do ferro. Veria que, a exemplo do que ocorre com o ouro, na mineração do ferro o mineiro também não é mais dono das Minas, participa da atividade minerária apenas como empregado das grandes mineradoras, num contexto de cada vez menos postos de trabalho. O Conjurado, alferes da Cavalaria, viajante que era, passaria por Mariana, Brumadinho e conheceria o morticínio e toda a destruição que o atual modelo minerário vem causando a Minas Gerais. Passaria por Barão de Cocais, pelo Socorro, Ouro Preto, por Itabira, pelo Itabiruçu, e veria nos olhos do mineiro o medo e pavor da mineração, o temor de ter a vida arrasada por um vagalhão de lama, oriundo de rompimento de barragem de rejeito de minério,o medo de morrer dentro de sua própria casa. “Nem mesmo da Derrama, nós mineiros tínhamos tanto medo, pois nem ela produzia morticínios”, concluiria o Herói da Inconfidência.
Provavelmente, após presenciar a lamentável situação em que, atualmente, se encontra Minas Gerais, Tiradentes, sendo carismático e tão politizado como era, mesmo que atônito, logo procuraria algum mineiro com quem pudesse iniciar uma conjuração contra tal perturbador estado de coisas e, certamente, levaria mais um grande susto. Depois de uma conversa, reconheceria:“o mineiro contemporâneo acredita que é caipira, se despolitizou”.  Logo Minas, que foi fundada e estabelecida em meio a centenas núcleos mineradores, eminentemente, urbanos, de arquitetura sofisticada e ordenada, povoados por uma sociedade, igualmente, urbana, complexa, sincrética, politizada, cívica e muito inclinada a sedições, da qual o Barroco é o Rococó são a maior e mais sublime expressão de arte e produto direto desta própria urbanidade, agora, em 2020, se tornara uma terra, fortemente, inclinada ao caipirismo.
Tiradentes, então, abarcado por sua inquietude característica, buscaria compreender tal fenômeno e chegaria à conclusão de que o mineiro contemporâneo não se tornara um caipira por acaso. Tiradentes observaria que é a mídia, principalmente, a televisão que, propositalmente, vem vestindo o estereótipo de caipira no mineiro, a ponto do mineiro, atualmente, acreditar que é um caipira, de fato. E a razão disso tudo é muito simples: caipira não contesta as atuais convenções injustas da mineração, não faz política, não defende as liberdades, não participa de conjurações e também não minera. Trata-se de um processo de alienação cultural. É também por isso que o mineiro se encontra hoje proibido de minerar em Minas Gerais e nem se dá conta disso. A mídia alienou o mineiro de sua cultura minerária.
E, finalmente, depois de tantos sustos e decepções e já com o espírito um tanto desconsertado, o alferes Joaquim José da Silva Xavier não teria outra opção ao não ser suplicar: "pra mim chega, levem-me de volta para a forca, não sacrifiquei a minha vida para isto, prefiro o “jugo” português!  

segunda-feira, 20 de abril de 2020

COVIDE-19: PARA JUSTIFICAR OBRA DE 22 MILHÕES DO SANTA MADALENA IRRESPONSABILIDADE PASSA DOS LIMITES




A tentativa fracassada e mal intencionada de se adaptar no antigo terminal rodoviário um hospital de 100 leitos, ao custo de muito mais de 22 milhões de reais em recursos públicos da saúde, é certamente o maior absurdo político-administrativo da história de João Monlevade. Volto a repetir: se o Brasil contemporâneo fosse de fato um país sério, seu idealizador, o ex-prefeito inelegível Carlos Moreira, estaria hoje na cadeia, ao lado de empreiteiros e de seus assessores que avalizaram aquela obra multimilionária, que nunca alcançou a sua finalidade, até porque o sistema público de saúde do Município tem demonstrado que não comporta dois hospitais, devido às sistemáticas crises do Hospital Margarida.   
Com aquele que também é, sem dúvida, o maior exemplo de corrupção e de incompetência administrativa municipal, o pretenso hospital Santa Madalena de Carlos Moreira, João Monlevade já perdeu uma Rodoviária muito bem estruturada e localizada, muito mais de 22 milhões de reais em recursos públicos da saúde, a promessa de um hospital de 100 leitos que jamais saiu do papel, o Pronto Atendimento e corre o risco de perder a Policlínica que, recentemente, também foi transferida para aquele Frankenstein de concreto. A verdade que não é divulgada no programa de rádio do ex-prefeito é que aquele trambolho multimilionário, tecnicamente, não se encontra apto a abrigar nenhuma estrutura de atendimento à saúde da população, vez que o projeto de execução da obra não respeitou os parâmetros mínimos definidos pela vigilância sanitária para a construção de uma unidade de saúde viável, ou seja, ali pouco importava o que estava sendo construído, desde que as empreiteiras amigas do rei faturassem aquelas dezenas de milhões de reais.
 Agora, em plena pandemia, o governo do casal Simone/Carlos Moreira anuncia que instalará ali, naquele prédio do antigo terminal rodoviário, impassível de alvará sanitário de funcionamento, uma central de atendimento para pacientes com suspeita de terem contraído a Covide-19. A exemplo da transferência do PA e da Policlínica, trata-se de mais uma tentativa desesperada e, sobretudo, irresponsável de se conceder uma finalidade para aquele elefante-branco que não apresenta as mínimas condições técnicas nem para ser um posto de saúde e assim, buscar ofuscar o imenso delito administrativo representado por aquele devaneio admin$trativo.
Tudo devido à incapacidade das instituições em dar uma solução definitiva para aquele que é um verdadeiro crime de lesa-pátria monlevadense. A imprensa local jamais entrou ali para expor a verdade sobre aquela obra. Já viu, por exemplo, o jornal A Notícia rastrear os recursos públicos que foram gastos no pretenso hospital Santa Madalena?  Não viu e nem verá, seus jornalistas também são marqueteiros de políticos e ali tem o dedo, a mão e o braço de Mauri & Cia. Já viu os vereadores encamparem qualquer causa pela resolução do Santa Madalena? Jamais, a maioria é fisiologista e há até aqueles cujos parentes estão empregados no sistema público de saúde. Já viu o Ministério Público entrar ali? De jeito nenhum, aquela obra multimilionária tem intere$$es de Aécio, Rodrigo de Castro & Cia.
Mas agora é diferente, o Município vivencia um estado de exceção sanitário e irresponsabilidade tem limite.  Utilizar aquela estrutura que não é passível de alvará sanitário, que não tem ventilação, iluminação natural e é completamente insalubre, como definido recentemente pelos próprios profissionais da saúde que lá trabalham, para o atendimento preliminar de pacientes com suspeita da Covide-19 pode custar muitas vidas. Ora, se o pretenso hospital Santa Madalena não é passível de alvará sanitário,  significa que ele não reúne as condições para, por exemplo, impedir os processos infecciosos, etc. E com vida humana não se brinca, muito menos para justificar uma incompetência que já custou tanto ao monlevadense! Dinheiro, Rodoviária, etc, o Município pode reavê-los, mas as vidas humanas são insubstituíveis.        

sábado, 18 de abril de 2020

A Maior Descoberta Histórica de João Monlevade nos Últimos Tempos: O Edifício da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros


Você que é leitor do Blog Monlewood tem tido a exclusiva oportunidade de acompanhar a maior descoberta histórica de João Monlevade nos últimos tempos. Trata-se do edifício construído pela Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros (foto acima), fundada por Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, onde, a partir de 1891, funcionou a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, neto do patrono do Município. Foi também aqui no Blog Monlewood que você pôde tomar ciência de que, muito distante daquele discurso oficioso circulante, que classifica a Fábrica de Ferro Monlevade como “uma pequena forja catalã, fabriqueta de enxadas”, existiram na verdade três fábricas de ferro dos Monlevade - uma “pequena forja catalã” jamais produziria, em pleno sec. XIX, peças de ferro de mais de 900 quilos de peso e as enviaria para a Mina de Ouro do Morro Velho, a mais de 80 milhas de distância.


A primeira, a Fábrica Velha, que funcionou de 1828 a 1853 e se encontrava instalada onde hoje é a Rua dos Contratados. A segunda, a Fábrica Nova, que funcionou a partir de 1853, tendo o ano de seu encerramento ainda indefinido entre 1872 e 1888 e se encontrava instalada num local mais amplo abaixo da primeira. E a terceira, a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade (foto), que funcionou de 1891 até a falência da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros e se encontrava instalada, na margem esquerda do Rio Piracicaba, no Bairro Jacuí.  E o mais interessante é que, ao contrário das duas primeiras, cujas ruínas nem mesmo são conhecidas, devido à massiva terraplanagem realizada naqueles entornos para as instalações da Ferrovia Vitória-Minas e da moderna siderúrgica a partir de 1935, o magnífico prédio que albergou a equipadíssima oficina da Fábrica de Ferro Francisco Monlevade ainda se encontra de pé, a funcionar, apesar de alterada a sua destinação. É verdade que aquele prédio em si não é desconhecido do monlevadense, pois muitos trabalharam nele, etc. Contudo, quase ninguém sabe que aquele edifício no Bairro Jacuí foi construído mediante capital da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros, originalmente, para abrigar a Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, descoberta histórica esta que você apenas pôde acompanhar aqui, no Blog Monlewood. Aliás, a grande maioria do acervo que hoje compõe o Museu Monlevade do Ferro e do Aço, mantido pela Arcelormittal, é proveniente da fábrica de Francisco de Monlevade. 


A extinta Belgo-Mineira aproveitou o prédio da Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade para instalar nele a casa de máquinas da hidrelétrica do Jacuí, que assim funciona ainda hoje.Tal fato jamais foi divulgado pela empresa. Apesar de sua grande importância histórica para o Município, o prédio da Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade (imagem de satélite) não é aberto à visitação pela Arcelormittal. Na edição nº 7, de 15 de abril de 1894, da Revista Industrial de Minas Gerais, disponível para consulta no Arquivo Público Mineiro, existe uma completa descrição da Fábrica de Ferro de Francisco de Monlevade, elaborada pelo engenheiro e professor da Escola de Minas de Ouro Preto, Paul Ferrand, que transcrevo a seguir:

"USINA MONLEVADE

Esta usina está colocada à margem esquerda do Rio Piracicaba a 14 km ao N. do Arraial de São Miguel de Piracicaba. Ela pertence à Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros desde 1891; sendo anteriormente de propriedade do Sr. João Monlevade. Neste tempo se fabricava o ferro pelo processo direto italiano com dois fornos baixos produzindo diariamente 500 quilogramas de ferro em barras. Hoje ela acaba de passar por uma transformação completa sob direção do Sr. Francisco Monlevade, neto do presidente e engenheiro da Companhia. Foi completamente abandonado o local da antiga forja, estabelecendo-se a nova oficina num lugar mais apropriado aos maquinismos modernos.
A nova fábrica compreende 5 fornos catalães americanos “Bloomary Process”, dispostos em duas fiadas, um martelo a vapor com uma caldeira de vapor horizontal, um laminador para ferros de pequenos perfis, um forno de reverbero a gás para caldeamento das lupas e 4 tendas.
Atualmente trabalham só dois fornos; dois outros estão já montados , e o último se acha em construção. Cada forno faz uma operação em 3 horas ou 8 operações em 24 horas, dando 1 tonelada de ferro em barras; isto é, 125 quilogramas por operação, repartidos em 5 barras quadradas de 6 centímetros de lado, pesando em média 25 quilogramas cada uma. A produção diária total é por conseguinte de 2 toneladas.
Os fornos são munidos de aparelhos de aquecimento do sistema Calder e os gases ainda quentes passam a redor da caldeira que fornece o vapor necessário ao martelo-vapor para se escaparem depois pela chaminé . O aparelho de um dos fornos que não trabalha serve por enquanto para aquecer o vento soprado no gasógeno do forno de caldeamento. Este gasógeno de cuba utiliza como combustível os resíduos em pó e miúdos de carvão de madeira impróprios para o forno. O martelo-vapor é de duplo efeito; seu peso é de 1,5 tonelada e seu levantamento é de um metro; serve para esbravejar (forjar) as bolas e lupas. O laminador serve para espichar as barras quadradas depois de caldeadas no forno de reverbero para obter o ferro em barras de diversos perfis.
As águas passam com uma altura de queda de 16 metros numa turbina horizontal de força de 600 cavalos-vapor. Esta turbina serve por enquanto para mover o laminador e o ventilador Roth que sopra o vento nos diversos fornos, além disso ela servirá para mover diversos outros maquinismos ainda não montados , como um laminador para fabricação de enxadas , máquinas de fazer machados, ferraduras, pregos etc. A oficina, que ocupa uma superfície de 75 metros de comprimento sobre 31 metros de largura, estará completamente acabada no fim de maio próximo , segundo espera o Dr. Francisco Monlevade, encarregado da construção e da direção deste novo e interessante estabelecimento".