domingo, 28 de novembro de 2021

Dois Reis na História Siderúrgica de João Monlevade

A localidade que viria a originar o Município de João Monlevade vivenciou as três fases históricas da siderurgia nacional. O início de tudo se deu a partir de 1828, com a instalação da Fábrica de Ferro do minerálogo frances João Antônio de Monlevade, que empregava pesados marteletes movidos por rodas d´água para forjar as maiores peças de ferro já produzidas no Brasil, até então, algumas delas com o peso de um carro. Posteriormente, a partir de 1891, instalou-se por meio da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros a Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade, neto do patrono do Município, que empregava a tecnologia da máquina a vapor no processo produtivo de uma diversa gama de artefatos de ferro para a mineração, com destaque para o Martelo-Vapor de 1,5 ton, capaz de forjar peças de ferro com o dobro de seu peso. E a partir de 1935 houve a instalação da moderníssima siderúrgica, a primeira usina integrada da América Latina, a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira (CSBM), quando se iniciou a construção da Vila Operária planejada que daria origem ao Município e que viveria seu auge de desenvolvimento durante as décadas de 50, 60 e 70, quando a localidade de João Monlevade experimentou, em função da siderurgia, o estado de bem estar social pleno. Hoje, a Usina Monlevade pertence ao grupo Arcelormittal, que anunciou recentemente, o investimento de mais de 2,5 bilhões de reais em sua planta local, com vistas a duplicar sua capacidade produtiva para 2 milhões e 200 mil toneladas de aço por ano. 
Monlevade produz ferro e derivados desde o Primeiro Império Brasileiro. São quase 200 anos de história siderúrgica que somente se tornaram realidade graças a perspicácia de dois grandes monarcas, Dom João VI, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e Alberto I, rei da Bélgica. 
 
 
A influência de Dom João VI (imagem) na história de João Monlevade foi direta e indiretamente. Indireta, porque antes da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, o ingresso de estrangeiros em Minas Gerais era, praticamente, proibido. A partir da transferência da corte joanina, ocorreu a abertura dos portos do Brasil e a admissão de uma série de missões estrangeiras compostas por artistas, naturalistas e exploradores científicos. Assim, não fosse a presença do rei Dom João VI no Brasil e o novo contexto político por ele criado, dificilmente o frances João Antonio de Monlevade teria encontrado, enquanto estrangeiro, contexto favorável sido para ingressar em Minas. Já a influencia direta de Dom João na presença de Monlevade em Minas pode ser notada no crucial fato de que o segundo foi, pessoalmente, autorizado a ingressar em Minas pelo rei. Bastava que o rei dissesse não e Monlevade teria que dar meia volta e retornar para França. Mas, felizmente, não foi o que aconteceu. Dom João consentiu a entrada de Monlevade em Minas o que constituiu condição fundamental para que, dez anos mais tarde, ele fundasse sua Fábrica de Ferro que daria origem a tudo. É preciso compreender que os estabelecimentos metalúrgicos mantidos pela Família Monlevade ao longo do sec. XIX foram os mais importantes do Brasil Império, fama que décadas mais tarde concorreria para evidenciar a vocação siderúrgica local, a ponto de influir, decisivamente, junto ao belgas na escolha da localidade para a instalação da CSBM. Em outras palavras, não fosse a bem sucedida experiência metalúrgica anterior dos Monlevade na localidade homônima, os belgas poderiam ter escolhido outro local para instalação da CSBM. Aliás, é muito provável que o belga Gastão Barbasson tenha chegado à escolha da localidade de Monlevade para instalação da CSBM a partir dos inúmeros relatórios técnicos confeccionados por João Monlevade e remetidos ao arquivo da Escola Politécnica de Paris, durante o sec. XIX.
 
 
 
O outro rei importantíssimo para a história siderúrgica de João Monlevade foi Alberto I da Bélgica (foto). O Rei Alberto foi um estrategista de visão extraordinária. Muito antes de Hitler invadir a Polônia, em 1939, o Rei Alberto já havia compreendido que o desfecho da Primeira Grande Guerra não seria suficiente para garantir a paz mundial e que, em breve, um conflito ainda mais sangrento teria início. Em 1920, o Rei Alberto visitou Belo Horizonte para articular a fundação de uma siderúrgica de guerra no Brasil. Em 1921 foi fundada a CSBM de Sabará. Em 1935 foi fundada da CSBM de João Monlevade. O objetivo imediato do rei belga, certamente, não era levar o desenvolvimento para o sertão mineiro, mas sim o de estabelecer uma usina siderúrgica integrada de grande porte, capaz de fornecer aço para o esforço de guerra aliado na Segunda Guerra Mundial. O primeiro aço de João Monlevade não foi produzido para suprir o mercado interno brasileiro, mas sim para o esforço de guerra aliado na Segunda Grande Guerra. Dos navios afundados por submarinos alemães na costa brasileira durante o conflito é muito possível que exista algum que transportava para a Inglaterra ou para os EUA aço fabricado em Monlevade. Getúlio Vargas instalou também em 1935 o decisivo ramal da ferrovia Central do Brasil até Monlevade, de onde o aço era enviado, por trem, até o porto do Rio de Janeiro e de lá era despachado para o esforço de guerra aliado. É por isso que a Matriz São José Operário tem sua nave em formado de “V”, que é em referencia à vitória aliada na Segunda Grande Guerra, da qual Monlevade fez parte enviando insumos pesados para a fabricação de armas, blindados, veículos, suprimentos, etc. O início de sua construção é de 1948, não coincidentemente, o ano do encerramento do conflito, com a derrota dos nazistas. E o rei Alberto já havia previsto isso tudo em 1920. Significa dizer que não fosse a visão aguçada do Rei Alberto I, dificilmente, teria havido Belgo Mineira para dar continuidade à trajetória siderúrgica, aqui iniciada por João Monlevade, há quase 200 anos. 
 
Nota curiosa – O Rei Alberto I da Bélgica foi o primeiro monarca a visitar o Brasil República. Ele esteve no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Em BH, o rei ficou hospedado no Palácio da Liberdade. Para receber sua majestade a sede do governo mineiro teve todo seu mobiliário renovado para móveis de fabricação francesa, que ainda hoje guarnecem seus cômodos, tal qual como na visita do rei. Para agradecer a acolhida, o Rei Alberto presenteou o Palácio da Liberdade com um casal de cisnes negros. Ainda hoje o Palácio da Liberdade conserva a tradição de criar cisnes negros num lago de seus jardins.