domingo, 10 de maio de 2015

1968, Também para o Colégio do Caraça, o Ano que não Terminou



Colégio do Caraça. Autor: Ferber, foto de ates do incêndio de 1968, Arquivo Público Mineiro

Sem dúvida, o Caraça foi o maior colégio da história do Brasil. Nenhuma outra instituição de ensino brasileira pode ostentar uma lista de 120 ex-alunos, na qual, absolutamente, todos foram deputados por Minas Gerais e por vários outros estados, deputados dos governos centrais, senadores, governadores e vice-governadores de estados de diferentes regiões do país ou presidentes e vice-presidentes da República. Isso, sem contar os inúmeros ex-alunos que se dedicaram apenas à política local de seus municípios, tornando-se prefeitos, vice-prefeitos ou vereadores e não fazem parte desta lista. O Caraça também formou cerca de 500 padres e 21 bispos, no Seminário que também manteve, além de uma grande variedade de outros profissionais como magistrados, ouvidores, ministros, advogados, economistas, professores, médicos, engenheiros, cientistas, etc. Entre os ex-alunos do Colégio do Caraça que se destacaram na política regional e nacional, os nomes mais, comumente, lembrados são os de Afonso Augusto Moreira Pena, Antônio Augusto de Lima, Antônio Benedito Valadares Ribeiro, Arthur da Silva Bernardes, Astolfo Dutra Nicácio, Olegário Dias Maciel, entre outros. Mas, apesar de não terem estudado no Caraça, ainda se formaram no humanismo dos Padres Lazaristas figuras como João Pinheiro da Silva, Raul Soares de Moura, Gerson Camata, Juscelino Kubitschek de Figueiredo, João Kubitschek de Oliveira, Bento Munhoz da Rocha, Ney Braga, Jânio da Silva Quadros, além de outros.
Desde sua fundação no séc. XIX pela Congregação da Missão dos Padres Lazariastas, o Colégio do Caraça figurou como verdadeiro irradiador dos princípios humanistas e seus conceitos filosóficos, atuando como instituto fundamental na matriz da chamada “Mineiridade”, e como um poderoso formador de opinião, indutor de ideais progressistas e reformistas que influenciaram todo o país.
Na madrugada de 28 de maio de 1968, um incêndio preciso atingiu a Grande Biblioteca do Colégio do Caraça, consumindo grande parte de seu precioso acervo, composto por 50.000 volumes, entre os quais, obras de Aristóteles, Romero, Virgílio, Camões, além de raríssimas coleções como a “Flora Brasiliensis” de Von Martius, a única existente no país, e a “História Natural” de Plínio, o Velho, editada antes da invenção da Imprensa. Da Biblioteca, o fogo se alastrou por todo o prédio (destaque em vermelho na foto acima) que também abrigava um museu de história natural, um laboratório de física, o teatro e os dormitórios dos alunos. Milagrosamente, todos os 90 alunos que, no momento do incêndio, dormiam nos alojamentos do piso acima se salvaram e ainda conseguiram, heroicamente, socorrer das chamas cerca de 15.000 livros, justamente, os dos séculos XVI, XVII e XVIII, considerados os mais raros. Encerravam-se, assim, de maneira trágica e repentina, as atividades de tão glorioso Colégio.
Na época, um fogareiro elétrico, supostamente, esquecido ligado no cômodo da Encadernação, setor da Biblioteca utilizado para o restauro dos livros, foi apresentado pela Imprensa como a causa do terrível sinistro.  Ainda hoje, no museu, posteriormente, criado entre as alvenarias de pedra que restaram do prédio incendiado, o aludido fogareiro elétrico da marca Fame (foto abaixo) encontra-se em exibição, assumindo, oficialmente, toda a culpa pelo ocorrido.


De fato, o visitante que, atualmente, percorre os corredores e as alas centenárias do antigo Colégio, percebe que o Incêndio de 68 ainda é uma ferida aberta, irresoluta e latejante, dentro do Caraça. Por onde se caminha pelo complexo de edifícios, nota-se vasto material exposto, composto por relatos, objetos, notícias e fotografias, que remetem à trágica experiência vivenciada pela Comunidade Caracense naquela ainda nebulosa madrugada de 28 de maio de 1968, como se instigassem a curiosidade alheia a montar um quebra-cabeça, cujas peças, definitivamente, não se encaixam.  E é, exatamente, analisando e confrontando todos esses elementos entre si, além de outros, que se afigura cada vez mais improvável e duvidosa a propagada tese de incêndio acidental que, desde aquela data, se conta sobre o incêndio do Caraça.
Nesta via, elemento que, de plano, salta ao olhos é o fato de o incêndio ter ocorrido, justamente, em 1968, ano de grandes turbulências políticas mundo afora e considerado o mais conturbado da Ditadura Militar brasileira, instalada a partir do Golpe de 1964. No Brasil, 68 foi ano de recrudescimento do regime, de intensa censura nos meios de comunicação social, de violenta repressão aos Movimentos Estudantis, de inúmeras prisões arbitrárias, de sucessivos abusos aos Direitos Fundamentais e de episódios correlatos marcantes como a Marcha dos 100 Mil, fechamento do Congresso Federal, a edição do Ato Institucional nº 5 e de numerosas manifestações contra a ditadura, muitas delas com desfechos, realmente, brutais.
Apesar de alguns setores católicos, inicialmente, terem se deixado levar pelo engodo de falsas justificativas que alimentaram a precipitação Golpe Militar de 64, já no ano de 1966, a partir da prisão, tortura e morte, do Pe. Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Helder Câmara, então, Arcebispo de Olinda e Recife, Igreja e regime passariam a experimentar uma situação de forte e crescente antagonismo.
E o Colégio do Caraça era, sobretudo, uma fabulosa Escola de Filosofia, além de um poderoso formador de opinião da época. A história nos ensina que a ditaduras não apenas cassam mandatos políticos, censuram jornais, fecham o parlamento e violam os direitos humanos. As ditaduras também não convivem com as Escolas de Filosofia, pois são elas que ensinam a pensar e dão voz aos indivíduos. Tanto foi assim que já 1966 a Ditadura Militar baniu dos currículos escolares brasileiros a disciplina filosofia.  E para uma instituição de ensino humanista que, historicamente, produziu tantos políticos de perfil progressista, o Caraça era um alvo óbvio de uma ditadura, instituída, justamente para impedir o implemento das reformas de base no Brasil. Além do mais, é, simplesmente, muito difícil de acreditar que um ato atentatório tão gritante, como o incêndio de uma rara Biblioteca, tenha ocorrido, exatamente, em 1968 e não seja obra da Ditadura Militar.
Ainda na via da provável hipótese de incêndio criminoso, situação que também chama a atenção é o fato de não se ter conhecimento de laudo do Corpo de Bombeiros, indicativo da causa do suposto acidente, apesar de a corporação ter comparecido in loco, na manhã seguinte ao incêndio, realizando o rescaldo do edifício. Afinal, foi uma das maiores e mais raras bibliotecas da América Latina que havia se incendiado naquela ocasião, colocando em risco direto de morte os 90 alunos que se encontravam alojados no pavimento superior. De modo que, diante das circunstâncias, apenas o regime de exceção vivido pelo Brasil naquele momento pode ser utilizado para justificar a ausência, provavelmente, proposital do necessário laudo do Corpo de Bombeiros.   
Outrossim, ainda na via de um incêndio criminoso, os relatos ainda hoje dispostos pelos corredores do Caraça sobre os fatos que se sucederam naquela nebulosa madrugada de maio de 1968 são, nitidamente, conflitantes, contraditórios e imprecisos. Existem dois deles: o primeiro, exposto no gabinete de leitura da atual Biblioteca e subscrito pelo ex-aluno Sylvio de Menezes Filho; o segundo, fixado na parede, também, da Biblioteca e apócrifo.   
A narrativa atribuída ao ex-aluno, Sylvio, tem como ponto de partida de seu testemunho a noite que antecedeu o sinistro e descreve, in verbis:

“Eram nove horas daquela noite fria de terça-feira, 27 de maio de 1968.”

Ocorre que, segundo o Calendário Gregoriano, 27 de maio de 1968 foi uma segunda-feira. Erro dessa natureza sugere que tal relato tenha sido escrito tempos depois do ocorrido, o que pode conferir considerável imprecisão ao testemunho. E segue:
Um dos alunos que trabalhava na difícil habilidade da encadernação, também ao ouvir o último sino da noite, rapidamente fechou a Encadernadoura para tomar lugar na enorme fila, que aguardava pelas palavras do Pe. Sílvio. Entretanto, esqueceu-se de desligar o fogareiro de resistência elétrica, que aquecia a “cola de couro de boi”, utilizada na reforma dos livros. Provavelmente, a alta temperatura atingida pela cola durante seu aquecimento, provocou uma fervura, que por sua vez, transbordou a vasilha de alumínio em que estava contida, atingindo diretamente, a resistência elétrica, já ao rubro. Nesse exato momento, iniciava-se um pequeno e derradeiro incêndio, percebido somente algumas horas mais tarde. 
Ainda sim, a narrativa acima é relevante no sentido de descrever o modo e a substância que teriam iniciado as chamas. Neste ponto, ambos os relatos são uníssonos na tese da cola superaquecida pelo esquecimento de um fogareiro elétrico ligado. A narrativa do ex-aluno Sylvio é ainda mais reveladora por detalhar o processo como tudo, teria acontecido, segundo a tese do fogareiro. Segundo ela, “a alta temperatura atingida pela cola durante seu aquecimento, provocou uma fervura, que por sua vez, transbordou a vasilha de alumínio em que estava contida, atingindo diretamente, a resistência elétrica, já ao rubro. Nesse exato momento, iniciava-se um pequeno e derradeiro incêndio, percebido somente algumas horas mais tarde”. 
Ora, em se tratando da natureza adesiva do material que, supostamente, teria dado início às chamas – a cola – e do processo de fervura que, como citado, teria chegado a atingir a resistência do aparelho, era de se esperar que o respectivo fogareiro apresentasse alguma marca ou evidência de ter iniciado sinistro de tamanha magnitude. Significa dizer que, considerando a natureza adesiva da cola, a resistência do fogareiro elétrico em questão deveria apresentar, no mínimo, alguma incrustação de cola carbonizada e aderida ali, no processo desencadeado pelo suposto superaquecimento do conjunto.
No entanto, muito estranhamente, apesar de nunca ter sido restaurado, o fogareiro elétrico da marca Fame se mantém exposto no Museu, sem ostentar sequer uma única chamuscada, incrustação de cola queimada ou qualquer indício que pudesse associá-lo ao princípio do incêndio de 68 (foto abaixo).


Ainda, confrontando os relatos, segue o ex-aluno Sylvio em sua narrativa, in verbis:
... No dia seguinte, às cinco e meia da manhã, sabíamos que seria a hora do despertar com as palmas do Disciplinário, todas as luzes acesas e a forte voz dizendo em latim, “Benedicamus Domino” – Bendigamos ao Senhor. E nós respondíamos “Deo Gratias” que traduzido significava “Graças a Deus”, pulando imediatamente da cama, estando ou não com sono.Mas, naquela madrugada fria, do dia 28 de maio, foi diferente, como nunca havia ocorrido na história daquele santuário. Não houve palmas simultâneas ao “Benedicamus Domino”. Todas as luzes foram acesas e fomos despertados assustados com um tom de voz grave e rouco dizendo que deveríamos descer imediatamente, pois se iniciava um incêndio na Encadernadoura.

Neste ponto, o testemunho de Sylvio dispõe que os alunos foram despertados “com uma voz grave e rouca dizendo que deveríamos descer imediatamente, pois se iniciava um incêndio na Encadernadoura”, entrando em contradição com o segundo relato, no qual consta que os alunos foram acordados por outro aluno que se encontrava em observação na enfermaria e, despertado pela fumaça, teria chamado os colegas e apertado “o alarme: Atenção, acorde, fogo na encadernação”, conforme se transcreve:  

Na madrugada de 28 de maio de 1968, um fogareiro usado para derreter cola na encadernação, provocou um incêndio no prédio do Colégio do Caraça. Às três horas da madrugada, um aluno que dormia na enfermaria acordou sentindo forte cheiro de fumaça. Ao levantar constatou, Fogo! Chamou os colegas e apertou o alarme. Atenção, disse, acorde fogo na encadernação!

O testemunho de Sylvio ainda destaca uma suposta impotência do Disciplinário diante daquelas críticas circunstâncias, como se transcreve: 
O Pe. Sílvio mantinha-se imóvel vendo as chamas com um olhar triste, distante e incrédulo. Faltavam-lhes palavras.

Situação esta também conflitante com o segundo relato que, ao contrário, dispõe que os padres correram em socorro do patrimônio,  in verbis:
Os padres, irmãos, alunos e colaboradores inclusive as sampaias (senhoras colaboradoras residentes no Caraça), correram em socorro ao patrimônio. Nesta época, o colégio contava com 90 alunos que dormiam, no prédio. Alguns se demoraram a levantar. O padre Silvio fez uma oração a N. Senhora, pedindo para que salvasse pelo menos a vida dos noventa jovens sob a sua responsabilidade. Cobertores, lençóis e até carrinho da horta, foram utilizados para salvar o precioso acervo da Biblioteca. Dos mais de 50.000 volumes, conseguiram salvar uns 15.000, principalmente as obras do século XVI a XVIII.
O fato de terem se salvo 15.000 volumes, justamente, as obras mais raras do acervo da Biblioteca, ou seja, os livros dos sécs. XVI, XVII e XVIII, sugere que, além de muita movimentação, também houve certa coordenação nos esforços de salvamento dos volumes, o que, mais uma vez, destoa do cenário inerte e caótico pintado pelo relato do ex-aluno Sylvio.    
Por fim, o segundo relato dispõe sobre a suposta causa do sinistro, in verbis:
Ao amanhecer do dia, o Corpo de Bombeiros chega de Belo Horizonte, com muita dificuldade, os carros pesados custaram subir a Serra, a estrada ainda era de terra. Depois de algumas escavações, descobriram o fogareiro no meio dos escombros, esclarecendo o motivo do incêndio. Os alunos, padres e irmãos se foram. Fecha o Colégio.          
Uma vez que o fogareiro elétrico, realmente, era utilizado na Encadernação, nada mais natural que fosse encontrado no cenário dos escombros. Ele, de fato, apresenta avarias consistentes com esta situação: o disco de sua resistência está quebrado, mas é só. No entanto, não é porque foi encontrado lá que o mesmo, necessariamente, deva ser relacionado com a causa do incêndio. Neste particular, é preciso frisar que não se tem conhecimento de laudo técnico neste sentido.
E testemunhos tão contraditórios acabam por se anular, mutuamente, sugerindo que tais relatos devem se basear muito mais no que se convencionou contar sobre o incêndio do que naquilo que, realmente, aconteceu.  
Após o incêndio, a oposição do Governo Militar em reconstruir o Caraça também é outro elemento que gera desconfiança. Para uma instituição tão importante e essencial para a formação do povo mineiro e brasileiro, seria de se esperar que, imediatamente, o governo se colocasse a amparar e a reconstruir o Caraça. Apelos neste sentido não faltaram. Em matéria, pejorativamente, intitulada “Carcaça do Caraça”, a edição do Jornal O Globo, de 29 de maio de 1968, noticiou o ocorrido, já apresentando a tese de suposto acidente, e discorreu sobre a necessidade de auxílio governamental para a reconstrução do patrimônio consumido pelas chamas, conforme se transcreve:
[...]O Padre Marcos Evangelista Gonçalves declarou a O GLOBO que o Colégio só voltará a funcionar se o governo puder encarregar-se de sua reconstrução, visto que a congregação da missão não tem a menor condição de fazê-lo. Concluiu dizendo:-Se esse auxílio não vier, o Caraça passará a ser o “Coliseu brasileiro”.Ontem, na Assembléia Legislativa, o deputado João Navarro apresentou e teve aprovado o seguinte voto de pear pelo incêndio do Caraça, que desfalca o patrimônio de Minas de um de seus maiores acervos culturais:O deputado que este subscreve, com apoiamento regimental, ouvido o plenário, requer que se leve ao conhecimento do governador do Estado o desalento do Poder Legislativo pela notícia do incêndio que teria causado grande prejuízo ao Colégio do Caraça, e pede providências urgentes  e imediatas do poder público para, não só reconstruir a parte danificada , mas, também adotar medidas urgentes que preservem, no futuro, o colégio de tão caras tradições para os Mineiros. 

Mas, apesar dos pedidos de auxílio, o regime militar jamais auxiliou o Caraça, muito provavelmente, por estar envolvido, em tamanha barbárie. 
Existem ainda outras ocorrências que compõem o pano de fundo de uma provável hipótese de incêndio criminoso perpetrado pela Ditadura. A ausência do Padre Saraiva, então Diretor Geral do Colégio é uma delas. No momento do incêndio, Saraiva se encontrava no Rio de Janeiro. É cediço que os militares agem com planejamento e acesso a informações privilegiadas. Certamente, uma ocasião em que o Diretor Geral do Caraça se encontrasse ausente do Colégio seria muito mais favorável a produzir os efeitos desejados de destruição, eis que nesta situação, uma vez dado o alarme de incêndio, a falta de uma autoridade central, reconhecidamente, apta a comandar a reação contra as chamas, favoreceria o êxito do atentado.
A data da ocorrência do sinistro também sugere certo planejamento, típico da atividade militar. Segundo o Calendário, 27 de maio de 68, véspera do incêndio, foi noite de lua cheia. A considerar que o incêndio teve início na madrugada do dia 28, o agente que, provavelmente, deflagrou as chamas deve ter se dirigido ao Caraça, sozinho, pelo único e tortuoso acesso através da estrada que, na época, ainda era de terra batida, à noite, valendo-se da claridade da lua cheia para se orientar e, justamente, num horário específico - 03:00 horas da madrugada - em que o Colégio inteiro repousava, dispondo de um artefato incendiário, deflagrou o incêndio, evadindo-se do local. Naqueles idos, antes do asfaltamento da estrada, a declividade e a sinuosidade do percurso tornavam muito difícil o acesso ao Caraça no período chuvoso, que vai de novembro a março. Maio já é um mês seco e mais favorável para uma incursão, desta natureza, ao Caraça. 
Em 31 de maio do mesmo conturbado ano de 1968, apenas 3 dias após o incêndio ocorrido no Caraça, o Colégio Santo Antônio, fundado pelos padres franciscanos, em 1909, na cidade de São João del-Rei, Minas Gerais, outra sólida Escola de Filosofia mineira, lastreada em fortes princípios humanistas, também ardeu em chamas. Neste outro grave incêndio, foram, totalmente, destruídos os laboratórios de física e de história natural do ginásio. Em semelhança com o Caraça, um ferro elétrico de passar roupa, esquecido ligado na alfaiataria, foi anunciado como a causa oficial do acidente. Posteriormente, em 1972, o Colégio de Santo Antônio foi transferido para a capital Belo Horizonte, onde ainda se mantém como um dos mais conceituados educandários do país. Mesma sorte ainda não teve o Caraça.
É comum ao Inquérito Policial o jargão de que “não existem coincidências na cena de um crime”. Assim, não pode ser crível que esta sucessão de incêndios ocorridos em tão importantes educandários mineiros possa ser obra do acaso. Certamente, o agente incendiário que ateou fogo no Caraça, depois de alcançado êxito em sua vergonhosa missão, deve ter tomado o rumo de São João del-Rei, distante cerca de 220 km daquele, onde repetiria seu atentado.
Sobre este outro incêndio em particular, são mínimas as informações disponíveis na Rede Mundial de Computadores. No entanto, é possível encontrar referências sobre ex-alunos do Colégio Santo Antônio que foram perseguidos e mortos pela Ditadura, como Paulo Cesar Botelho Massa, ativista da Ação Libertadora Nacional e desaparecido deste 1972.
Certamente, que esses colégios de formação humanística, como o Caraça e o Santo Antônio, deveriam ser, convenientemente, vistos pelos militares como verdadeiros centros produtores de "comunistas", como o próprio Juscelino foi acusado de ser.       
A adoção da tese do fogareiro pela Igreja, naquele momento de censura, conturbação e repressão política nacional, chega a ser compreensível, levando-se em conta a gravidade do ocorrido, já que além da grande perda patrimonial que se verificou, o incêndio de 68 também poderia ter tirado a vida dos 90 alunos que dormiam nos alojamentos localizados no piso acima. Assim, é de se acreditar que, diante de todo aquele contexto desfavorável, a Igreja tenha recuado e, pragmaticamente, consentido em abraçar a tese do fogareiro, como quem consente em um mal menor, como forma de se evitar um mal maior. Naquela conjuntura, no que diz respeito ao incêndio, dificilmente, seria possível à Igreja reagir contra o ocorrido. Até porque, uma notícia apontando o Regime Militar como possível autor dos fatos jamais seria publicada pelos meios de comunicação social daquela época, que já sofriam forte censura e, ao contrário, fizeram coro na divulgação da improvável tese do fogareiro. 
Após o incêndio de 68, o Colégio encerrou suas atividades e o Caraça caiu em situação de desamparo, sendo, completamente, ignorado pelas autoridades governamentais, no que diz respeito às sua reativação, como educandário, apesar dos imensos esforços da AEALAC (Associação dos Ex-Alunos, Lazaristas e Amigos do Caraça) no sentido contrário.
Somente após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988, o IPHEA (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) procedeu ao restauro de parte do prédio incendiado e, em 1990, ele foi re-inaugurado, passando a abrigar um valioso Museu, um auditório e a atual Biblioteca, composta pelos 15.000 volumes que foram, heroicamente, salvos pelos alunos e padres naquela fatídica madrugada de 28 de maio de 1968. Ainda em 1990, foi criada a Reserva Particular do Patrimônio Natural do Santuário do Caraça, com 12.403 hectares de área, ambientalmente, protegida. 
Atualmente, o Caraça é uma Casa Religiosa que oferece hospedagem aos que procuram conhecer suas belezas naturais, sua história e sua densa cultura.Em 2018, o incêndio de 68 completará 50 anos. É preciso que, após tanto tempo, a verdade sobre o que, de fato, ocorreu no Caraça venha à tona, pois, invariavelmente, a percepção equivocada da realidade não permite que as respostas corretas sobre determinados fatos sejam colocadas em prática. No caso específico do Caraça, a provável deturpação da realidade a respeito dos fatos de 28 de maio de 68, ainda hoje, tem impossibilitado que a sociedade mineira se conscientize da magnitude da perda que representou o fechamento forçado daquele inestimável Colégio, além de ser uma imensa injustiça histórica com toda a Comunidade Caracense. É preciso que Minas Gerais tenha fiel conhecimento do que, realmente, aconteceu no Caraça em maio de 68, buscando compreender o porquê de sua cultura ter sofrido tão terrível atentado, até mesmo para poder reagir de maneira apropriada, compensando as perdas, coisa que ainda nos dias atuais não se materializou a contento. Minas e o Brasil necessitam da verdade também para se conscientizarem que a Ditadura Militar pode ter sido muito mais prejudicial para seus respectivos povo, do que se sabe e se imagina. 
Uma Escola Filosófica de tantos feitos e de tão excepcional qualidade não pode permanecer fora do contexto educacional de Minas Gerais, até mesmo pela relevância identitária que o Caraça tem para com o povo mineiro. 
Não é por acaso que, após o encerramento forçado do Colégio do Caraça, a qualidade do político brasileiro tenha caído tanto e o Brasil venha se tornando um país tão mais desumano, como se tem verificado, desde então! 
     

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