“Uma pequena forja catalã, fabriqueta de enxadas”, foi como
definiram e me ensinaram nos bancos escolares a respeito da obra de vida do
minerálogo e metalúrgico francês João Antônio de Monlevade, o patrono do
Município. Confesso que nunca consegui
compreender o que teria motivado um nobre iluminista a deixar as comodidades e
luxo palacianos da Europa para cruzar o Atlântico e vir se instalar na úmida e
remota selva brasileira, habitada por índios antropófagos, serpentes venenosas
e onças vorazes. Então, passei a estudá-lo.
Através de pesquisa no acervo do Arquivo Público Mineiro tive
acesso a documentos históricos, como por exemplo, o Relatório de 1853, redigido
pelo próprio Monlevade, cujo estudo me revelaria que “a pequena forja catalã”
jamais havia existido. Revelaria também
que não foi a enxada o principal produto do estabelecimento. Na verdade,
segundo registrado pelo próprio Monlevade e outros, não existiu apenas uma, mas
sim três Fábricas de Ferro. A Fábrica Nova e a Fábrica Velha, que funcionaram,
respectivamente, de 1828 a 1853 e de 1853 a 1891, no local onde hoje é a Rua
dos Contratados, funcionaram sob a administração de João Monlevade, uma
sucedendo a outra, e, na verdade, foram as fornecedoras preferenciais de
artefatos de ferro para as Minas de Ouro dos Ingleses, as mais famosas delas a
Mina do Gongo Soco e a do Morro Velho. O principal produto delas eram as
cabeças de 80 quilos de ferro forjado, empregadas no Moinho Mineiro de Pilões,
aparato mecânico movido por roda d’água, utilizado para triturar o quartzito
aurífero nas minas dos ingleses, etc. Então, descobri que Monlevade não se
instalara aqui para fabricar enxadas, mas sim para fornecer artefatos de ferro
para as Minas de Ouro. Apenas o Congo Soco, de 1828 a 1856, produziu com os
artefatos de ferro fabricados em Monlevade cerca de 30 mil quilos de ouro puro.
Parte desse ouro coube a Monlevade. Assim, a motivação que o fixou aqui passou
a fazer muito mais sentido: ouro. As
duas primeiras fábricas de ferro de Monlevade também não eram catalãs. Catalão
era apenas o método de obtenção do ferro. Na verdade, os equipamentos de forja
delas, como os martelos, o massame e o laminador, eram ingleses, segundo
registrado pelas correspondências de Guido Thomaz Marlièri, disponíveis no
Arquivo Público Mineiro. Também não foram pequenas. Os historiadores mineiros
são uníssonos em classificá-las como os maiores e mais importantes
estabelecimentos metalúrgicos a funcionar durante o Brasil Império. Elas
produziam 500 quilos de ferro por dia, cerca de 5 toneladas de carvão
diariamente e não só forjavam as maiores peças de ferro até então produzidas no
Brasil, como também as transportavam até seus destinatários em grande carros de
bois de quatro rodas. Há registro de peça de ferro de 900 quilos de peso
forjada em Monlevade e entregue na Mina do Morro Velho, a 120 km de distância.
Mas a maior descoberta estava por vir. Ainda no Arquivo
Público, tive acesso à edição nº7 da Revista Industrial de Minas Gerais, datada
de 15/04/1894, trazendo um relato completo sobre a 3ª Fábrica de Ferro de João
Monlevade, a que pertenceu à Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros. Segundo
o mencionado documento, havia-se abandonado completamente o local da antiga
forja, estabelecendo-se a nova oficina num lugar mais apropriado, na margem
esquerda do Rio Piracicaba. Ora, eu já
sabia onde haviam funcionado as duas primeiras fábricas, que foi no local
correspondente hoje à Rua dos Contratados, como já dito, abaixo do Solar
Monlevade. Mas, onde teria funcionado a 3ª fábrica na margem esquerda do Rio
Piracicaba? Foi então que, por meio de interpretação do dito relatório e de
fotos antigas do local, descobri que a casa de máquinas da Hidrelétrica do
Jacuí fora instalada no edifício da 3ª Fábrica de Ferro Monlevade, ou seja,
diferentemente das duas primeiras que já haviam ruído, o edifício da terceira
ainda se encontrava de pé.
A terceira Fábrica de Ferro Monlevade foi erguida a partir de
1891 pela Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros do Barão de Mauá, tendo
ficado a cargo do engenheiro Francisco Monlevade, neto do patrono do Município.
Ela era, extraordinariamente, equipada com máquinas a vapor e uma turbina
hidráulica de 600 cavalos, utilizada para mover tantas outras máquinas.
Estrategicamente, colocada na margem esquerda do Piracicaba, ela dependia do
potencial hidráulico do rio para funcionar. Então, como se tratava de
construção industrial tão sólida e já adaptada para o proveito do potencial
hidráulico do rio, a Belgo-Mineira resolveu aproveitá-la para instalar em seu
interior a casa de máquinas da Hidrelétrica do Jacuí, jamais revelando que em
tal edifício funcionara a Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade.
Trata-se do interessantíssimo edifício das fotos, construído em
sólida alvenaria de pedra e muito bem iluminado, repleto de vidraças e
diagramas de ventilação, tudo em art déco. Seu telhado é muito curioso e como
de nenhum outro já visto, possui duas chaminés de exaustão que lembram coisa
dos desenhos dos Jetsons. Outra
curiosidade é que a água do rio passa pelo seu interior para depois verter pela
base do edifício, que se encontra, literalmente, sobre a margem do Piracicaba.
Curiosamente, apesar de se encontrar, praticamente, sobre o rio, não há
registro de inundação daquele prédio em período de cheia. Outro fato que chama a atenção é a
predestinação industrial concedida para aquela localidade pelos Monlevade, já
que o atual parque siderúrgico do município se encontra instalado, exatamente,
entre o Solar Monlevade e a Fábrica de Ferro de Francisco Monlevade.
Então, está aí, para que todos vejam e conheçam, A Fábrica de
Ferro perdida de João Monlevade, a maior descoberta histórica do Município nos
últimos 85 anos, que você acompanhou com exclusividade no Blog Monlewood. Um
belíssimo e super interessante edifício histórico, com 130 anos, onde funcionou
a 3ª Fábrica de Ferro Monlevade, da Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros,
tão importante para a formação da identidade local quanto o próprio Solar
Monlevade.
A seguir transcrevo o mencionado relatório sobre a 3º Fábrica Monlevade, contido na Revista Industrial de Minas Gerais, documento que foi fundamental para tamanha descoberta:
"USINA MONLEVADE
Esta usina está colocada à margem esquerda do Rio Piracicaba a 14 km ao N. do
Arraial de São Miguel de Piracicaba. Ela pertence à Companhia Nacional de
Forjas e Estaleiros desde 1891; sendo anteriormente de propriedade do Sr. João
Monlevade. Neste tempo se fabricava o ferro pelo processo direto italiano com
dois fornos baixos produzindo diariamente 500 quilogramas de ferro em barras.
Hoje ela acaba de passar por uma transformação completa sob direção do Sr.
Francisco Monlevade, neto do presidente e engenheiro da Companhia. Foi
completamente abandonado o local da antiga forja, estabelecendo-se a nova
oficina num lugar mais apropriado aos maquinismos modernos.
A nova fábrica compreende 5 fornos catalães americanos “Bloomary Process”,
dispostos em duas fiadas, um martelo a vapor com uma caldeira de vapor
horizontal, um laminador para ferros de pequenos perfis, um forno de reverbero
a gás para caldeamento das lupas e 4 tendas.
Atualmente trabalham só dois fornos; dois outros estão já montados e o último
se acha em construção. Cada forno faz uma operação em 3 horas ou 8 operações em
24 horas, dando 1 tonelada de ferro em barras; isto é, 125 quilogramas por
operação, repartidos em 5 barras quadradas de 6 centímetros de lado, pesando em
média 25 quilogramas cada uma. A produção diária total é por conseguinte de 2
toneladas.
Os fornos são munidos de aparelhos de aquecimento do sistema Calder e os gases
ainda quentes passam a redor da caldeira que fornece o vapor necessário ao
martelo-vapor para se escaparem depois pela chaminé. O aparelho de um dos
fornos que não trabalha serve por enquanto para aquecer o vento soprado no
gasógeno do forno de caldeamento. Este gasógeno de cuba utiliza como combustível
os resíduos em pó e miúdos de carvão de madeira impróprios para o forno. O
martelo-vapor é de duplo efeito; seu peso é de 1,5 tonelada e seu levantamento
é de um metro; serve para esbravejar (forjar) as bolas e lupas. O laminador
serve para espichar as barras quadradas depois de caldeadas no forno de
reverbero para obter o ferro em barras de diversos perfis.
As águas passam com uma altura de queda de 16 metros numa turbina horizontal de
força de 600 cavalos-vapor. Esta turbina serve por enquanto para mover o
laminador e o ventilador Roth que sopra o vento nos diversos fornos, além disso
ela servirá para mover diversos outros maquinismos ainda não montados, como um
laminador para fabricação de enxadas, máquinas de fazer machados, ferraduras,
pregos etc. A oficina, que ocupa uma superfície de 75 metros de comprimento
sobre 31 metros de largura, estará completamente acabada no fim de maio próximo, segundo espera o Dr.Francisco Monlevade, encarregado da construção e da
direção deste novo e interessante estabelecimento".
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